INTRODUÇÃO

Rui Albuquerque

Resumo


A edição dos Cadernos de Ciência & Tecnologia de 1991, volume 8, cumpre três objetivos básicos. Primeiro, o de dar continuidade à série Cadernos de Difusão de Tecnologia, editados pela Embrapa desde 1984 e que, conforme exposto no prólogo do volume anterior, passariam, a partir deste ano, a chamar-se Cadernos de Ciência & Tecnologia. Assim, este volume assume no novo nome a sua preocupação mais ampla com a temática e, também, a nova característica institucional de estar sob a responsabilidade da Secretaria de Administração Estratégica — SEA, da Embrapa. Segundo, o de trazer ao público mais amplo de leitores dos Cadernos um conjunto de artigos que discutem a questão das transformações técnicas na agricultura e como elas se articulam com a nova dinâmica agroindustrial. Terceiro, e talvez o mais importante, o de manter vivo o debate sobre as questões de ciência, tecnologia e desenvolvimento agrícolas, que têm encontrado nesta publicação um dos seus mais importantes espaços de expressão. Num período de forte crise de todo o sistema nacional de desenvolvimento científico e tecnológico é muito importante que alguns órgãos públicos preservem a capacidade de pensar o futuro, de se articular com o seu ambiente externo e de fazê-lo sob uma ótica universalista, tão útil ao avanço do conhecimento científico. Julga-se, portanto, extremamente estimulante que a Embrapa — rumo ao Século XXI, na expressão de sua atual direção — considere os Cadernos de Ciência & Tecnologia como um dos pontos de apoio dessa caminhada.

Neste número considerou-se oportuno divulgar um conjunto de textos selecionados a partir dos utilizados num seminário franco-brasileiro, realizado pelo Núcleo de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas — UNICAMP, em setembro de 1990, no âmbito do Acordo CAPES/COFECUB, Projeto 101/89. Utilizou-se também um texto inédito produzido pelo grupo PENSA - Programa de Estudos dos Negócios do Sistema Agroindustrial — da Universidade de São Paulo, e uma análise sobre a difusão de tecnologia e extensão rural produzida por técnicos da Embrapa.

Apresentando brevemente cada trabalho, o primeiro texto, de Elizabeth Farina e Décio Zylbersztajn, traz uma aplicação da moderna "teoria dos contratos" à integração agricultura-indústria. Essa visão permite explicitar os conflitos — e formas de cooperação — entre os componentes do sistema agroindustrial e auxilia a compreensão dos processos de inovação e de difusão de tecnologia. Explicita também a importância do Estado como agente "normatizador" e coordenador dos conflitos, e chama a atenção para a parti-cipação cada vez mais ativa do "consumidor final", freqüentemente negligenciado nas análises brasileiras sobre o tema.

O segundo texto, de Geraldo Müller, de alta densidade teórica, traz um ponto bastante polêmico para o debate: a necessidade de compor um quadro de análise nem macroeconômico, nem microeconômico, mas, por assim dizer, de "nível de agregação intermediária". Esse nível de agregação daria conta dos processos técnico-econômicos característicos das estruturas agroindustriais. Para construir esse nível de agregação intermediária ele define inicialmente o conceito de "complexo industrial", depois o de "complexo agroindustrial", e, uma vez construído, aplica-o à "cadeia agroindustrial de carnes". O sucesso — ou não — dessa tentativa fica a critério dos leitores e, esperamos, das discussões que ela originar.

O terceiro texto, de Ana Célia Castro e de Maria da Graça Fonseca, analisa a transformação da base produtiva agrícola sob a ótica das indústrias fornecedoras de insumos para a agricultura. A partir dos trabalhos desenvolvidos nas respectivas teses de doutoramento descrevem o progresso técnico na agricultura como elemento da estratégia empresarial das indústrias produtoras de sementes e das produtoras de máquinas agrícolas, mostrando com riqueza de detalhes as características cada vez mais integradas desses processos de inovação.

O quarto texto, de José Eli da Veiga, funciona como contraponto aos anteriores. Contesta, desde o início, a possibilidade de que a agricultura venha a se transformar "de fato" em mais um ramo industrial. Lembra que a base biológica da produção de alimentos está longe de ser apropriada de fato pelo capital - sob a perspectiva de capacidade do capital controlá-la efetivamente - e que isso não acontecerá num horizonte que possamos perceber. Termina afirmando que as mudanças estruturais da futura sociedade humana e os respectivos "estilos de vida" terão muito mais importância na organização da agricultura do que a possível revolução biotecnológica, e lembra que a maioria das análises atuais padecem de um "lastimável reducionismo tecnicista". O leitor atento já deduziu que este foi sem dúvida o texto mais provocativo do seminário que mencionamos. Esperamos que sua reprodução aqui permita a continuidade dos debates absolutamente apaixonados que se seguiram à sua exposição.

O último artigo, de Mário Possas, também apresentado no seminário, trata com muito rigor conceitual a dinâmica industrial — aí incluída a agroindústria — e a possibilidade de construir um marco de referência teórico alternativo que permita sua análise. Organiza, de forma clara, as possibilidades e as limitações advindas da utilização do conceito de "complexos" revendo a bibliografia mais recente sobre o tema. Cabe lembrar que o autor — engenheiro eletrônico por virtude, e economista por paixão — é um dos expoentes acadêmicos na área de mudança técnica e teoria econômica, e que este texto está se transformando num "clássico", devendo ser editado em número específico da revista "Rascunho" da UNESP, e em "Texto para Discussão" no Instituto de Economia da UNICAMP.

Na seção Debates, o autor é Carlos Schlottfeldt, assessor da Secretaria de Assistência Técnica e Extensão Rural da Embrapa, que aponta a necessidade de rediscutir as atividades de "difusão de tecnologia" e de "extensão rural" à luz do novo planejamento estratégico da Embrapa. Neste debate, que se apoia naquele publicado por Murilo Xavier Flores, no volume 7(1990) dos Cadernos de Difusão de Tecnologia, o autor analisa como o "pacote tecnológico por produto" influencia a organização das pesquisas da Empresa, e como a concepção de "sistemas de produção" vai exigir novas premissas: a organização dos produtores rurais e os rearranjos institucionais como elementos essenciais ao trabalho de extensão rural e a regionalização/municipalização das propostas de produção agrícola como forma de aumentar a efetividade das políticas públicas para o setor.

Na seção Resenhas, o pesquisador Paulo Velho analisa o livro "First the seed", de J. Kloppenburg, editado em 1988, que já é um clássico na análise dos impactos que a biotecnologia trouxe à produção de sementes e à propriedade e à difusão dessas inovações, e o pesquisador Sérgio Paulino faz uma resenha do livro "Science as intellectual property", de D. Nelkin, lançado em 1984, que trata de um tema atualíssimo para os pesquisadores brasileiros, qual seja, o dos resultados que o reconhecimento da propriedade intelectual do conhecimento científico trouxe aos atores envolvidos no jogo de relações entre ciência e sociedade, nos Estados Unidos.

Este conjunto de textos compõem o volume de 1991 dos Cadernos de Ciência & Tecnologia. Espera-se que esta edição e a próxima auxiliem a caracterização desta nova fase dos Cadernos e que, a partir delas, se fortaleçam as relações com o seu Conselho Editorial e com a comunidade de pesquisadores, seja do ambiente universitário, seja dos centros da Embrapa. É na riqueza destas relações que se deverá apoiar a estratégia editorial destes Cadernos.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct1991.v8.9050