INTRODUÇÃO

Murilo Xavier Flores

Resumo


É com prazer que trazemos a público o volume 9, relativo ao ano de 1992, dos Cadernos de Ciência & Tecnologia da Embrapa. Esta revista, editada sob a responsabilidade da Secretaria de Administração Estratégica — SEA, consegue com isso recuperar sua regularidade de publicação, e deverá manter-se como locus de exposição e debate das mais recentes interpretações sobre o processo de desenvolvimento científico e tecnológico que está em curso. Como é natural, por tratar-se de uma publicação coordenada pela Embrapa, espera-se uma presença maior das análises que digam respeito às articulações desse processo com a dinâmica das transformações agrárias e agroindustriais que se observam, seja no nosso país, seja no âmbito internacional, com especial ênfase na percepção da realidade latino-americana e das possibilidades de sua integração. Mas os Cadernos estarão também abertos aos textos que tratem das questões mais amplas ligadas ao processo de mudanças técnicas e às alterações estruturais com que estamos permanentemente sendo confrontados. Espera-se, com isso, ir construindo uma visão sobre as transformações econômicas, sociais e institucionais que a chamada "modernidade" vai exigir da nossa prática de trabalho, quer se esteja atuando em empresas públicas, em universidades, em empresas privadas ou em organizações governamentais.

Neste número a ênfase dos artigos dá-se em torno da transformação das grandes condicionantes que envolvem a pesquisa agrícola e que, portanto, deverão afetar o processo de difusão das inovações e a lógica de operação dos "sistemas agroindustriais". O primeiro deles, "Pesquisa agrícola para o ano 2000", de Eduardo Trigo, coloca algumas grandes questões: a da mudança nas demandas por tecnologia agrícola, em que a necessidade da prática da "agricultura sustentável" vai exigir trabalho interdisciplinar e interinstitucional cada vez mais integrado; o das mudanças no contexto científico da pesquisa, com os novos paradigmas da biotecnologia e da informatização dando novo apoio, mas também colocando em cheque as metodologias convencionais da pesquisa; o das mudanças no ambiente institucional, que forçam um reajustamento do papel do "público" e do "privado"; e, por fim, o das necessárias mudanças na política tecnológica, que vai ter de se direcionar para levar em conta a importância crescente da pesquisa básica (cada vez mais relevante na solução de problemas produtivos específicos), para reorganizar a estratégia de formação de recursos humanos, e para capacitar os órgãos públicos na regulamentação, no licenciamento e na fiscalização das questões ligadas à propriedade intelectual. O segundo artigo, nessa mesma linha, "A crise da pesquisa agrícola: perspectivas para os anos 90", de autoria de Rui Albuquerque e Sérgio Salles, começa lembrando a importância histórica — em todos os países — do setor público na área de pesquisa agrícola e aponta a lógica da participação cada vez maior do setor privado nessa área. Alerta para o fato de que as perspectivas interdisciplinares abertas pelas novas tecnologias só se poderão efetivar se houver rearranjos institucionais, e desenvolve, com detalhes, três pontos: as oportunidades abertas pelos novos paradigmas, as estratégias das empresas privadas e a reorganização industrial em curso, e a reestruturação das funções do Estado nacional. Neste último ponto, aliás, como exemplo, apresenta a forma de a Comunidade Econômica Européia tratar a questão da biotecnologia, na qual fica claro o aumento da eficiência da atuação do Estado, e não a sua eliminação, como defendem de forma equivocada alguns adeptos do neoliberalismo na sua versão "latino-americana".

Os dois artigos seguintes tratam um problema da maior importância para o sistema nacional de inovação e, em particular, para a Embrapa: o da legislação sobre propriedade intelectual. "O direito do melhorista e o setor público de pesquisa agrícola", de Paulo Velho, analisa como os setores público e privado vêm se posicionando frente à lógica das pesquisas em melhoramento, e defende a importância de se manter um setor público forte, seja como fornecedor de "padrões de referência" de qualidade superior, que obriguem o setor privado a avançar também, seja como definidor de normas e de mecanismos de coordenação (tomando como exemplo a Embrapa, mostra como o franqueamento de 27 empresas para trabalharem com a variedade de milho híbrido BR-201, de 1989 a 1991, aumentou a competitividade no setor e desconcentrou um mercado antes dominado por apenas 3 delas). Analisa criticamente a experiência de privatização da pesquisa agrícola inglesa e termina lembrando que, mesmo nos marcos da nova legislação, o setor público deve manter sua especificidade. O artigo "A propriedade intelectual e o setor público de pesquisa agrícola: alguns comentários", de Sérgio Paulino, levanta a evolução histórica da legislação sobre propriedade intelectual, analisa os acordos internacionais recentes que vigoram na área de "obtenções vegetais" e aponta os impactos que a legislação trará para o setor público de pesquisa agrícola, inclusive para a Embrapa.

Na seção Debates, analisam-se questões do cotiano de nossa prática de trabalho: "A Embrapa e a Universidade", de Tarcízio Quirino e Antônio de Castro, toma como tema a necessidade das rearticulações institucionais, e analisa a experiência e as perspectivas da articulação desses dois conjuntos. Lança um duplo desafio: o de a Embrapa conseguir estreitar esses laços com programas de longo prazo e sem perda de continuidade; e o de as universidades conseguirem pôr em prática a lógica de trabalho interdisciplinar e de formação de novos "recursos humanos". Por outro lado, o trabalho "Lei de proteção de cultivares: algumas anotações para o debate", de Alicia Ruiz, faz um levantamento sobre as várias posições em discussão no Congresso Nacional, em 1991, envolvendo a legislação na área de propriedade intelectual. Alinha os argumentos em confronto, e desenvolve na discussão seis questões: mudar a legislação trará de fato investimentos privados para a área de pesquisa em melhoramento vegetal? Como se comportará o empresariado nacional? Haverá riscos reais de desnacionalização do "setor público"? A nova "lei de cultivares" vai mudar o padrão de inovação na área? Vai forçar a reorganização do setor público? Vai facilitar a transferência de tecnologia "de ponta" para o setor?

A seção Resenhas traz uma resenha crítica da professora Léa Velho ao livro "Scientists in the Third World", de autoria de Jacques Gaillard, editado em 1991 pela Universidade de Kentucky. Os equívocos da análise são bem apontados pela professora, que é uma especialista no tema, e alerta para os perigos das generalizações sobre a situação dos países em desenvolvimento, as quais ocorrem com freqüência nas análises desenvolvidas por pesquisadores do chamado "Primeiro Mundo."

Este volume 9 dos Cadernos de Ciência & Tecnologia trata, portanto, de questões-chave para a formulação de uma política científica e tecnológica nacional, na qual esta Empresa tem papel importante. Não se deve, naturalmente, confundir as teses dos artigos e as avaliações neles feitas com a posição oficial da Empresa, mas temos certeza da importância de que elas sejam divulgadas e discutidas.

Uma última observação. Nota-se que os artigos deste volume são distribuídos, por autoria, entre um grande organismo internacional, o IICA, um pesquisador da Secretaria de Ciência e Tecnologia, professores universitários, e técnicos da própria Embrapa. Nesse sentido, acredito que é possível lançar um desafio para o próximo ano. Nossa idéia é que, em 1993, se consiga constituir um Conselho Editorial mais amplo, e que os membros desse Conselho sirvam como indutores de artigos para a revista, aumentando a participação do meio acadêmico brasileiro, buscando e editando artigos internacionais, debatendo temas de atualidade e, através da seção Resenhas, comentando as publicações relevantes para a área. Para isso, a Embrapa propõe-se a manter a infra-estrutura mínima exclusiva para os Cadernos e, em troca, vai solicitar ao seu Conselho Editorial e aos leitores uma ampliação dos números de artigos submetidos para publicação. Para não abrir mão da qualidade das contribuições, dever-se-á reforçar a avaliação de mérito por parte de membros do seu Conselho Editorial e por assessores ad hoc. Para Introdução, ampliar ainda mais a autonomia da revista e garantir sua sustentação financeira, será necessário também organizar uma agressiva campanha de assinaturas.

Por fim, permitimo-nos repetir uma observação já feita em 1990, nestes mesmos Cadernos: universidades, empresas, institutos de pesquisa, intituições de assistência técnica e extensão rural, associações científicas, organizações de classe, todos os interessados no avanço da ciência e da tecnologia devem ver nos CC&T um dos seus canais de expressão. Vamos todos consolidar essa obra.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct1992.v9.9042