INTRODUÇÃO

Cyro Mascarenhas Rodrigues

Resumo


Abrimos este número homenageando o cientista brasileiro Carlos Chagas (1878-1934), autor de um dos mais extraordinários feitos da ciência médica tropical no início do século: a descoberta, a um só tempo, da Tripanossomíase americana (doença de Chagas), do seu agente causador, o parasita Trypanosoma cruzi, bem como do inseto vetor dessa moléstia, Panstrongylus megistus, conhecido como "barbeiro". Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença de Chagas, endêmica em áreas rurais de países da América Latina, mata, aproximadamente, 45 mil pessoas a cada ano e ainda constitui uma ameaça a milhões de pessoas desse continente, a despeito dos programas governamentais de controle dessa endemia.

O que talvez seja desconhecido da maioria de brasileiros é que, em razão da inusitada descoberta, o cientista Carlos Chagas foi indicado quatro vezes para o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia e mais: aplaudido no exterior, enfrentou, internamente, a reação de um grupo da própria Academia Nacional de Medicina, capitaneado por Afrânio Peixoto. As alegações eram de que o tripanossoma não seria de fato patogênico; a doença não teria relevância epidemiológica; e os sintomas descritos por Chagas seriam duvidosos. Tentaram mesmo desqualificar sua honestidade científica, levantando suspeitas quanto à autoria de suas descobertas.

A história daria razão a Chagas, como nos mostram Marília Coutinho e João Carlos Pinto Dias no artigo de abertura dessa edição intitulado "A descoberta da doença de Chagas". A autora expõe com muita acuidade essas e outras revelações sobre fatos e circunstâncias da batalha acadêmica de Chagas, ainda desconhecida por muitos. Ao completar noventa anos de tais descobertas, os Cadernos de Ciência & Tecnologia homenageiam o cientista brasileiro que esteve mais próximo do Prêmio Nobel.

Nos dois próximos artigos, a questão do meio ambiente é focalizada sob abordagens diferentes: Marc Barbier, valendo-se de um quadro analítico da teoria das convenções, e tomando como referencial empírico o enfrentamento do problema da proteção de um lençol de água mineral natural contra a lixiviação de nitratos de origem agrícola, no norte da França, nos brinda com o texto sugestivo: "Quando poluído e poluidores se descobrem convencionalistas".

Por seu turno, Tarcízio R. Quirino, Alfredo J. B. Luiz e Eliane C. Dias, em "Tecnologias agropecuárias e impacto ambiental: uma agenda para a pesquisa", discutem as possíveis tecnologias críticas e linhas de pesquisa que deverão pontificar nos próximos anos, respaldados em resultados de uma análise prospectiva onde foi aplicada a técnica de Delphi.

Em seguida, a temática da extensão rural volta a ocupar espaço nos CC&T com o texto de Mauro Márcio Oliveira que certamente vai despertar muita polêmica, eis que entre os próprios analistas desses Cadernos que o revisaram, ela já foi estabelecida. Trata-se de uma reconstrução histórica de fatos ligados à gênese e ao desenvolvimento da extensão rural no Brasil. Uma narrativa baseada principalmente na obra recente de Colby e Dennett que vai aguçar a curiosidade do leitor, principalmente pelo fato de revelar as circunstâncias da atuação da AIA (American International for Economic and Social Development) no Brasil.

Fechando a seção Artigos, Maria das Graças Sena e Carlos Estevão Leite Cardoso com o texto "Fruticultura tropical familiar e globalização: uma relação sustentável?" relatam resultados preliminares de uma experiência de projeto emancipador para agricultores familiares da região Nordeste, onde são exercitadas parcerias com órgãos governamentais e não-governamentais.

Na seção Debates, Polan Lacki submete à crítica dos leitores o texto intitulado: "O que pedem os agricultores e o que podem os governos: mendigar ou proporcionar emancipação?". O Autor confronta inúmeras e inadiáveis necessidades de milhões de agricultores com as possibilidades cada vez menores dos governos debilitados, deficitários e endividados poderem atendê-las, para depois sugerir aos governantes duas prioridades estratégicas relacionadas com a extensão rural e a educação formal nas zonas rurais para o enfrentamento do problema.

Na seção Resenhas, Gutemberg Armando Diniz Guerra, com o texto: "A ciência em busca de consciência", comenta o livro de Francisco de Assis Costa "Ciência, tecnologia e sociedade na Amazônia: questões para o desenvolvimento sustentável".

Sem mais delongas, desejamos a todos uma boa leitura.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct1999.v16.8894