INTRODUÇÃO

IVAN SÉRGIO FREIRE DE SOUSA

Resumo


Com este número quadrimestral, os CDT entram no seu terceiro ano, o que corresponde ao terceiro volume ininterrupto de uma publicação que veio para ficar. Como das vezes anteriores, a atenção editorial está voltada principalmente para a problemática da geração e da difusão de tecnologia agropecuária, problemática esta dependente da vida social cotidiana.

O conteúdo deste e dos números anteriores dos CDT vem delineando uma realidade agrícola brasileira em acentuado processo de mutação, com disparidades marcantes no seu aspecto inter e intra-regional. Entre outras coisas, isto sugere que o fenômeno do campo, no Brasil — seja ele tecnológico ou outro qualquer —, não pode mais ser visto ou compreendido em termos tradicionais, onde os atores sejam apenas latifundiários com um alto poder político-econômico, e camponeses pobres deserdados da vida econômica. No processo de mutação existente no setor agropecuário do País, destaca-se a consolidação crescente de uma classe média agrícola formada por pequenos, médios e grandes proprietários. Outros personagens, tais como os agricultores de subsistência, de um lado, e os latifundiários tradicionais, de outro, ficam, por razões diferentes, cada vez mais à margem deste processo de capitalização e integração crescentes.

O primeiro trabalho deste número toca, de certa maneira, nessa problemática geral. Escrito por Guilherme Delgado, "Constituição e Desenvolvimento do Capital Financeiro na Agricultura" aborda, de forma esclarecedora, não só o desenvolvimento do atual processo de fusão de capitais, mas também o caráter específico da agricultura, no que concerne à forma como ocorre a sua ligação ao capital conglomerado e à fluidez do capital que é ali empregado. Tudo isto, como adverte o Autor, coloca problemas novos para a "questão agrária" dos dias atuais.

Com abordagem e foco diferentes, o texto escrito por Michelangelo Giotto Santoro Trigueiro e por mim detém-se no exame de um aspecto muito próprio da realidade agrícola brasileira: a luta pela terra. No trato do problema, o presente trabalho identifica um conjunto de forças sociais concretas potencialmente renovadoras do meio rural. Numa incursão teórica de entendimento da questão, dois pontos principais são visualizados: a multiplicação de significados da luta pela terra no Brasil, e o seu caráter sócio-cultural de força de criação e vivência de formas diferentes de relações sociais quotidianas. Embora não abordando diretamente a questão puramente tecnológica, "A Luta Pela Terra: considerações preliminares sobre suas características no Brasil" oferece alguns indicadores dos limites e das possibilidades da solução tecnológica para a agricultura.

Se Guilherme Delgado e Sousa & Trigueiro lidam, neste número, com problemas meta-tecnológicos, as contribuições trazidas por Rui Alburquerque, Antônio Ortega & Baastian Reydon e por Edmundo Gastai são de natureza diferente.

Alburquerque, Ortega & Reydon apresentam a primeira parte de uma análise da lógica da evolução das pesquisas agrícolas empreendidas pelo setor público paulista vis-à-vis com os acontecimentos econômicos e sociais da região durante este século, onde o Instituto Agronômico de Campinas é tomado como estudo de caso. A análise desta primeira parte de "O Setor Público de Pesquisa Agrícola no Estado de São Paulo" inicia-se com a criação do IAC no começo do século, indo até ao que os Autores identificam como a gestão da crise dos anos 60 e suas repercussões nos dias atuais. Já o trabalho de Edmundo Gastal — "O Processo de Transformação Tecnológica na Agricultura" — focaliza a mudança tecnológica como um fenômeno social de grande alcance. Sem deixar de mencionar a importância das modificações estruturais, Gastal argumenta que o desenvolvimento agrícola implica transformações tecnológicas significativas. É nesta direção a argumentação central do seu trabalho.

Na seção de Debates, Mauro Marcio Oliveira dá o seu parecer sobre um elemento importante da chamada política de estabilização: o Decreto-Lei no 2.284/86. É um trabalho oportuno onde o Autor nos distingue novamente com a sua análise sensata e crítica. Na seção de Resenhas, Cyro Mascarenhas Rodrigues e José Norberto Muniz abordam, respectivamente, o livro de Ronaldo Conde Aguiar, "Abrindo o pacote tecnológico" e o de S. Goonatilake, "Aborted discovery; science and creativity in the third world". Concluída mais esta tarefa, a equipe responsável pelos CDT espera continuar recebendo a crítica, o apoio e o incentivo de todos os leitores.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct1986.v3.9217