INTRODUÇÃO

Resumo

É com prazer que apresentamos mais um volume dos Cadernos de Ciência & Tecnologia, da Embrapa, um veículo da maior importância na divulgação dos avanços teóricos e empíricos sobre as relações entre ciência, tecnologia e desenvolvimento agrícola e agroindustrial. Neste volume trazemos, na qualidade de editor convidado, alguns resultados dos debates que vêm sendo travados sobre o tema das transformações tecnológicas no padrão produtivo da agricultura moderna. Aproveitamos a oportunidade para trazer ao leitor alguns trabalhos produzidos nesta temática pelo projeto "Pesquisa Científica, Mudanças Tecnológicas e Produção Agroindustrial", conduzido pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica, da Unicamp, e pelo Laboratoire de Etudes et de Recherches sur Economie de la Production, da Université de Sciences Sociales Toulouse I, no âmbito do Acordo de Cooperação CAPES/COFECUB1.

Os trabalhos apresentados nesse volume têm como principal objetivo contribuir para o avanço do debate sobre os rumos do padrão tecnológico da agricultura. Desde aspectos conceituais sobre como tratar as mudanças em curso até estudos de constatação empírica de transformações tecnológicas recentes e suas implicações no futuro da produção agroalimentar.

Assim, o artido que abre a revista, de autoria de Sylvie Bonny, pesquisadora do INRA Grignon, trata exatamente desses aspectos mais gerais das mudanças tecnológicas, tomando como ponto principal de discussão o processo recente de padronização na agricultura, visto sob diversas ópticas, desde razões econômicas até motivações técnicas e de consumo alimentar. Com este enfoque, a autora aponta as transformações dos elementos de padronização e de suas relações com o processo inovativo na agricultura e com a crescente onda de diversificação de produtos que, segundo a autora, deve nortear a transição do atual padrão tecnológico produtivista para um padrão de natureza qualitativista.

O segundo artigo, de autoria de P. Byé, A. Meunier e J. Muchnik, do INRA Montpellier, traz uma revisão histórica do processo de inovação na indústria açucareira, com o objetivo de mostrar que a formação de trajetórias e das lógicas inovativas, se analisadas por uma perspectiva histórica, dá-se mais por trajetórias de continuidade que de ruptura. Apesar de serem historicamente datadas, regionalmente localizadas e socialmente determinadas, as inovações tendem a seguir desdobramentos coerentes que buscam, sobretudo, a sustentação da produção e de seu entorno sócio-econômico.

O próximo artigo, de Luca Lanini, do INRA Ivry-sur-Seine, traz a nós a interessante questão da terceirização nos serviços agrícolas, particularmente na mecanização da agricultura. Empregando o exemplo de seu país, a Itália, Lanini mostra a importância desse tipo de inovação organizacional (cerca de um terço das explorações italianas utilizam esses serviços) na dinâmica produtiva e tecnológica da agricultura. Mostra os efeitos não apenas de redução de custos fixos na produção, mas também do papel modernizador que este tipo de arranjo pode trazer para a agricultura, viabilizando maior acesso a tecnologias recentes e ampliando o grau de flexibilidade da produção agrícola.

O quarto artigo, cuja autoria é de Maria Beatriz Bonacelli, doutoranda da Universidade de Toulouse I, faz uma apreciação dos movimentos recentes da moderna biotecnologia, destacando, particularmente, a evolução dos investimentos e dos resultados práticos da biotecnologia nas áreas de saúde humana e agricultura. Partindo daquele que provavelmente é o principal canal de viabilização dos investimentos na moderna biotecnologia, qual seja, o da cooperação na P&D, na produção e na comercialização, a autora mostra os determinantes que estão envolvidos na proliferação desses acordos, assim como procura explicar a relativa fragilidade dos investimentos na área agrícola vis-à-vis à área de saúde humana, dando indicações para o futuro dos países em desenvolvimento.

O quinto artigo, de autoria de Victor Pelaez, doutorando da Universidade de Montpellier I, enfoca o processo de busca de produtos sucedâneos na indústria alimentar e suas interações com a indústria química e farmacêutica. Estudando o caso dos edulcorantes sintéticos, o autor faz uma interessante análise da lógica inovativa na agroindústria alimentar e da segmentação de mercados provocada pela introdução de produtos substitutos simples (calóricos "versus" calóricos) ou de substitutos transformadores (calóricos "versus" não calóricos). Nesta perspectiva, são analisados também os impactos nas estruturas de mercado dos setores envolvidos na produção de edulcorantes, particularmente da sacarose, da isoglucose, da sacarina e do aspartame. Aponta, por fim, as relações entre a dinâmica concorrencial dos mercados de edulcorantes e o movimento de diversificação da demanda por adoçantes.

A seção Debates traz uma rápida reflexão - porém bastante provocativa - do autor desta introdução. São enfatizados os aspectos globais e gerais das transformações em curso na agricultura mundial, argumentando-se que os pilares que sustentaram o crescimento do chamado padrão produtivista, difundido principalmente no Pós-Segunda Guerra, perdem capacidade de suportar os requerimentos de valorização dos capitais aplicados na agricultura contemporânea. O autor anota que não apenas uma revolução está em curso nas formas de produção agrícola, mas também os próprios conceitos tradicionais aplicados pela economia agrícola perdem, crescentemente, poder analítico e explicativo.

Esse volume completa-se com uma resenha de um livro que aborda um dos temas que mais devem contribuir para as mudanças no padrão tecnológico e produtivo da agricultura: a questão ambiental e sua articulação com os recursos naturais e com a propriedade intelectual. Analisando o livro de Daniel Bromley, Rosana Corazza mostra uma abordagem instigante preparada pelo autor; instigante e atual, devendo assim servir de importante fonte de consulta para quem vem se dedicando aos temas tratados na obra. A todos uma boa leitura.