INTRODUÇÃO

Cyro Mascarenhas Rodrigues

Resumo


Fechamos o volume 12 dos Cadernos de Ciência & Tecnologia na firme convicção de que o ano de 1996 marcará uma nova fase na trajetória da revista, na conquista da estabilidade. Para tanto, esperamos continuar merecendo a confiança e a colaboração de todos que ajudaram a produzir os números em atraso, e que foram atualizados no decorrer de 1995. Incluem-se aqui não apenas os colaboradores que enviaram os seus artigos, ensaios, resenhas e comentários, como também os que ajudaram na condição de editor-adjunto e editor-convidado, consultores científicos e o pessoal de apoio. O reconhecimento, também, à Diretoria da EMBRAPA, por continuar patrocinando essa experiência editorial nascida há mais de uma década, tendo firmado a sua identidade como um locus de discussão das questões mais relevantes da ciência, tecnologia e do desenvolvimento rural, dentro de perspectivas críticas, mas fugindo ao monismo teórico e metodológico, como convém a uma organização de pesquisa científica.

A propósito, este é o primeiro número editado após as mudanças ocorridas este ano na administração superior da EMBRAPA, com as investiduras de Alberto Duque Portugal na presidência, em substituição a Murilo Xavier Flores, e de Dante Scolari, na vaga deixada pelo atual presidente que já fazia parte da Diretoria. A par do compromisso de consolidar a implementação do planejamento estratégico e a modernização institucional da Empresa, o presidente destaca, entre as suas prioridades, a busca da autonomia na administração dos recursos humanos financeiros e a melhoria da competência gerencial. Uma evidência disso é a implantação dos concursos públicos como critério de escolha dos chefes gerais de Unidades Descentralizadas, uma prática anticorporativsta e de amplo alcance democrático.

Feito o registro, passemos à apresentação dos trabalhos. Abrindo a seção de artigos, Henrique Rattner assina um texto instigante, tanto quanto polêmico, que reacende o debate sobre a questão da objetividade científica postulada pelo paradigma cartesiano dominante. "Science, Ethics and Ideology" que foi apresentado no colóquio organizado em novembro de 1994, em Paris, pelo The International Council for Science Policy Studies ICSPS, retoma a crítica do mito da neutralidade axiológica, colocando em confronto a lógica dos saberes cartesianos e a ética social.

Como que aproximando a lente da análise de Rattner para o foco da pesquisa biológica, segue-se aquele que talvez tenha sido o último texto produzido por João Bosco Pinto, falecido recentemente. Ao publicar "Pesquisa e Qualidade de Vida", os CC&T prestam uma justa homenagem ao autor e presenteia os seus leitores com um texto de boa qualidade, mesmo se tratando de uma versão preliminar que fora produzida para circulação restrita entre a equipe do projeto que ele prestava consultoria junto ao Centro de Pesquisa Agropecuária do Meio-Norte, da EMBRAPA. Com a habilidade que lhe era peculiar na abordagem epistemológica dos processos sociais, João Bosco Pinto critica os rígidos padrões do positivismo empiricista e propõe aos pesquisadores da área biológica abrirem-se a novas perspectivas paradigmáticas que extrapolem a frieza da lógica matemática, para se aproximarem mais da complexidade da realidade sociocultural e humana.

No terceiro artigo, "Conhecimento Científico como Falsa Consciência Necessária" José Norberto Muniz toma as proposições atuais da biotecnologia para ilustrar como o conhecimento científico tematizado a partir de conceitos e racionalizado através da ação indutiva tende a reproduzir as dimensões da sociedade que o contextualiza. A análise tem como pressupostos os conceitos de falsa consciência e segunda natureza formulados por Lukács e resgatados por Sohn-Rethel em sua crítica radical da Ciência & Tecnologia. O resultado é a asserção de que a ciência contemporânea encontra-se numa encruzilhada, onde os princípios de primeira e de segunda natureza que a delimitam não levam necessariamente a caminhos distintos, mas se intermediam, criando condições para a formação da falsa consciência necessária que não se manifesta, adverte o autor, "em relação aos padrões de verdade, mas em relação à natureza da síntese social". Em "Agricultura em Tempo Parcial", Flávio Sacco dos Anjos apresenta uma oportuna revisão de conhecimentos sobre o enfoque sociológico da questão, refletindo principalmente a produção acadêmica internacional, já que esta temática só recentemente começou a ganhar espaço entre os pesquisadores brasileiros. Com muita propriedade, o autor discute a literatura pertinente apresentando uma visão crítica dos diversos enfoques, objetivos e estruturas de abordagem, concluindo que, somente a partir da mesclagem de elementos macro e microestruturais e dos fatores psicossociais e culturais comumente negligenciados na maioria dos estudos, pode-se chegar à essência dos processos dinâmicos que dirigem a trajetória dos "part-time farmers". Tal procedimento deve reforçar a tese de que a pluriatividade da família rural, mais que um fenômeno determinado simplesmente pelas estruturas adjacentes que tendem a transformar os camponeses em futuros proletários, resulta de uma entre as várias estratégias por eles adotadas para garantir a reprodução familiar.

O próximo artigo, "Um Exame dos Determinantes das Migrações Rural-Urbana no Brasil", de autoria de Ricardo Chaves Lima, focaliza também a questão da agricultura em tempo parcial, mas dentro da perspectiva econométrica. A renda rural não-agrícola, ou seja, resultante da diversificação das fontes de emprego fora da fazenda, é apresentada como uma alternativa viável para contribuir para a estabilização da renda rural em áreas de baixa renda. Partindo desse pressuposto, o autor propõe a incorporação da variável "renda rural não-agrícola" aos modelos tradicionais de migração rural-urbana e conclui que as políticas de combate à pobreza no meio rural deveriam estimular o desenvolvimento de tais atividades que inclusive poderiam funcionar como fator de desestímulo ao êxodo rural.

O último texto da seção de artigos, "Impactos Sociais: o Emprego na Agricultura Irrigada de Guaíra", SP, vem de Lucimar Santiago de Abreu. Ela relata os resultados de uma pesquisa cujo objetivo foi mostrar como a introdução de uma tecnologia moderna em sistemas produtivos agrícolas, no caso a irrigação, afeta a composição e a sazonalidade da força de trabalho. Constatou-se que a diminuição da sazonalidade em decorrência da adoção da tecnologia, bem como o tipo de trabalhador beneficiado, guarda estreita relação com a modalidade de lavoura plantada, a intensidade de uso da terra, o sistema de irrigação praticado e a dimensão da área irrigada.

Na seção Debates, Antonio Flávio Dias Avila aponta a necessidade de se buscar um novo modelo de gestão para a pesquisa agropecuária, no qual se minimizem os riscos do corporativismo. O texto, "Corporativismo na EMBRAPA: o Fim de um Modelo de Gestão", foi elaborado antes das mudanças ocorridas na Diretoria Executiva da empresa, devendo o leitor perceber que algumas das medidas propostas estão superadas em razão de providências adotadas pela atual administração. Entretanto, permanecem em aberto outros pontos críticos relativos ao modelo institucional, sistema de planejamento e política de recursos humanos, os quais podem enriquecer o debate.

Finalmente, na seção Resenhas registramos dois comentários. O primeiro, de Danilo Nolasco Cortes a respeito do livro "Refashioning Nature: Food, Ecology & Culture", de autoria de D. Goodman e M. Redclift. A obra é recomendada, principalmente pela mestria com que os autores analisam as cadeias agroalimentares, com farta documentação histórica e dados analisados com respaldo teórico de alta densidade. Mauro Márcio Oliveira comenta "Max Weber x Karl Marx", uma coletânea de textos organizada por René Gertz e lançada pela Hucitec. A importância da obra pode ser aquilatada pela possibilidade de colocar para os leitores os encontros e desencontros de Marx e Weber, em textos até então não traduzidos para o português.

Esperamos que este número dos CC&T atenda às expectativas e às exigências dos leitores que sempre nos distinguiram com a sua crítica e com o seu apoio e incentivo.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct1995.v12.9013