INTRODUÇÃO

Resumo

Na edição anterior, chamávamos a atenção dos nossos leitores para o texto assinado por Eliseu Alves, na seção Debates, intitulado "Especulações a respeito da agricultura brasileira". Na oportunidade, ressaltávamos a importância das questões por ele levantadas, como também a possibilidade de sua perspectiva analítica suscitar alguma divergência que pudesse ser exposta e debatida nas páginas dos Cadernos de Ciência & Tecnologia.

Confirmando a nossa expectativa, José Graziano da Silva e Elisabete Salay, professores da Unicamp, nos enviaram um texto comentando o referido artigo, no qual expõem as suas divergências quanto à análise prospectiva de Eliseu Alves, inclusive fazendo outra leitura das indicações do International Food Policy Research Institute (IFPRI) utilizadas pelo iniciador do debate. Este número traz a réplica dos professores da Unicamp e a tréplica de Eliseu Alves, destacando-se nos dois textos o brilho das argumentações e, sobretudo, a elegância de estilo, a despeito das posições antagônicas.

Só temos a agradecer que os Autores tenham proporcionado aos CC&T a retomada de uma prática saudável que parece ter desaparecido da maioria dos periódicos científicos brasileiros. Os nossos leitores podem assim desfrutar e, por que não dizer, participar de uma discussão que envolve nomes tão expressivos da nossa comunidade científica. Mas este número não fica nisso. Abrindo a seção Artigos, Mauro Márcio Oliveira retoma o conceito de megatendência, construído por John Naisbitt para designar comportamentos, estilos e desempenhos que predominarão no devenir, com influências marcantes nos ambientes naturais e sociais. Aqui é assumida a crítica da rigidez conceptual do termo que, no entender de Oliveira, revela-se insuficiente para refletir o caráter dialético das relações sociais. O Autor propõe, em complemento, os conceitos de megacontratendência e gigapadrão, não sem antes comentar a respeito de algumas megatendências que se delineiam hoje nas instâncias do mercado, da política, das organizações formais e da própria Natureza.

Saindo da discussão conceitual, o próximo artigo é um estudo de caso desenvolvido por Décio Zylbersztajn e Jonathan Turner, intitulado "PIC-Agroceres; tecnologia em genética de suínos". O artigo mostra como a associação de competências específicas de empresas através de "joint venture" possibilita a ampliação das oportunidades do agronegócio, seja pelo aumento da competitividade, seja pela possibilidade de abocanhar maiores fatias do mercado. No caso presente, relata-se a experiência da associação da Agroceres, uma empresa brasileira que atua no setor de genética vegetal, principalmente na produção do milho híbrido, com a Pig Improvement Corporation-PIC, uma empresa britânica que trabalha com genética de suínos, detendo a primeira posição no "rank" mundial da produção de híbridos de suínos. O estudo que foi apresentado no Seminário PENSA, por ocasião do Congresso de Agribusiness da International Agribusiness Management Association, realizado no ano passado, em Cancún, no México, é enriquecido com dados estatísticos atualizados do comportamento da produção e do consumo mundial de carne suína, da competitividade dos países exportadores e com outras informações que incluem a distribuição geográfica das vendas na Agroceres-PIC e o balanço patrimonial do empreendimento.

Em seguida, temos o artigo de Teobaldo Campos de Mesquita, "Impacto da mudança tecnológica na produção agrícola: aproximação de uma análise dinâmica". A preocupação do Autor é com a viabilização econômica da tecnologia, de modo que os seus custos não excedam os benefícios sociais que a mesma pode proporcionar. Por esta razão, a avaliação periódica dos resultados de pesquisa torna-se um instrumento importante para alocar com mais precisão os recursos a ela destinados.

O modelo de avaliação em questão é polinomial com defasagens distribuídas, cuja vantagem principal em relação a outros modelos é assim descrita por Mesquita: "ele permite mensurar o impacto total da mudança tecnológica sobre a produção durante todo o período analisado, e não apenas em um único ano, escolhido mais ou menos arbitrariamente em função de uma suposta defasagem ideal admitida como sendo o tempo necessário para que a tecnologia produza o máximo efeito."

O próximo artigo, "Agroinformática: qualidade e produtividade na agricultura", é assinado por uma equipe de pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Tecnológica em Informática para a Agricultura - CNPTIA, da Embrapa, encabeçada por Carlos Alberto Alves Meira. Eles apresentam os primeiros resultados de uma pesquisa em andamento com vistas a um modelo de gerência das atividades de um sistema produtivo agropecuário que possa ser aplicado no âmbito da agricultura familiar. Os resultados iniciais são promissores, diferenciando-se do padrão dos aplicativos agropecuários existentes no mercado, em razão de apresentar interface simples e baixa complexidade operacional. Em outras palavras, os pesquisadores do CNPTIA querem mostrar que a agroinformática, sem mistérios, é acessível também àquela parcela de agricultores cujos estabelecimentos se enquadram na categoria da agricultura familiar, mas que estejam inseridos no mercado e tenham condições de acesso a um microcomputador e capacidade para operá-lo.

Fechando a seção Artigos, Júlio Ferraz de Queiroz e Ezequias Viana de Moura nos mostram como é possível superar o problema da exploração indiscriminada dos estoques pesqueiros naturais no Brasil, que atualmente estão próximos do seu limite auto-sustentável. A alternativa proposta é a exploração da aquacultura, com o argumento de que o nosso País apresenta condições ecológicas extremamente favoráveis a essa atividade, com a vantagem de a mesma permitir o consórcio com a agricultura e a pecuária, potenciando a rentabilidade do empreendimento e a geração de muitos empregos.

Os Autores assinalam que a falta de uma política efetiva que apóie a pesquisa e o desenvolvimento do setor pesqueiro no Brasil está trazendo conseqüências sérias para essa atividade, a ponto de o País se tornar hoje o maior importador de pescado da América Latina, a despeito do potencial existente. O começo da reversão desse quadro, ainda segundo os articulistas, está na acolhida que o poder público possa dar às recomendações emanadas do estudo em tela.

Na seção Resenhas, Ruth Almada Cruz Gomes comenta o livro de Darcy Ribeiro intitulado "O povo brasileiro; a formação e o sentido do Brasil" , uma obra que parece reagir à tendência globalizante do mundo atual, onde as teses nacionalistas e as responsabilidades sociais do Estado estão sendo atropeladas pelo primado do mercado. Para finalizar, queremos registrar que o Conselho Editorial dos Cadernos de Ciência & Tecnologia elegeu a questão da propriedade intelectual na agricultura e a lei de acesso aos recursos genéticos como área temática preferencial do próximo número. Aos que desejarem participar dessa edição, um recado: enviem os seus trabalhos a esta Editoria até o próximo dia 15 de outubro.. Cyro Mascarenhas Rodrigues Editora