INTRODUÇÃO

Cyro Mascarenhas Rodrigues

Resumo


Abrimos esta primeira edição de 1997 na esperança de manter o mesmo padrão de qualidade que tem credenciado os CC&T como um espaço aberto para a discussão de questões teóricas, metodológicas e substantivas da ciência, da tecnologia e do desenvolvimento rural.

Nos tempos da chamada globalização, muito se tem discutido a respeito da redefinição do papel do Estado e de suas instituições, de modo geral. A reorientação institucional da pesquisa agropecuária não foge à regra, na esteira das transformações que se vêm processando em escala mundial, tendo como contraponto reduções cada vez maiores da participação do Estado no custeio de pesquisas científicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa redução tem preocupado as próprias grandes empresas capitalistas, a ponto de 16 delas, nas quais se incluem IBM, DuPont, Merck e General Electric, terem publicado na Imprensa, em 1995, um manifesto defendendo o fomento à pesquisa científica e tecnológica como função importante do governo federal, no momento em que o governo Clinton ameaçava com novos cortes de recursos para a pesquisa universitária crítica (Boletim Ciência Hoje, 06/10/95).

Essa discussão, no Brasil, também já vem de algum tempo, e está hoje na ordem do dia. Não é por outro motivo que, neste número, publicamos dois artigos que refletem tal preocupação, tendo como objeto a pesquisa agropecuária coordenada pela Embrapa. Elisa Gomes Pessoa e Regis Bonelli, em "O papel do Estado na pesquisa agrícola no Brasil", fazem um retrospecto dos fatores históricos que prevaleceram no desenvolvimento agrícola brasileiro vis-à-vis à alocação de fundos federais para pesquisa. Partindo de análises de retorno das atividades de pesquisa agrícola no Brasil, os autores demonstram que as taxas de 20 a 30% observadas sugerem, ao contrário do que se pensa, quando se projetam cortes nos gastos públicos com a pesquisa agropecuária, que há, na verdade, insuficiência de investimento no setor. Mas eles raciocinam também com a possibilidade de parcerias público-privado numa forma harmoniosa de convivência, definindo-se papéis em que os gastos públicos e privados são complementares.

A outra abordagem vem de Elisio Contini, Flávio Avilla e Francisco Reifschneider em "Perspectivas de financiamento da pesquisa brasileira". As conclusões mais importantes desse estudo batem com as de Pessoa & Bonelli, pelo menos quanto à importância de o Estado continuar como fonte fundamental de recursos para a pesquisa agropecuária e no que concerne ao exercício da parceria entre o setor público e o privado. Este artigo, além da boa fundamentação teórica que alicerça o pensamento dos autores, está recheado de dados atuais (1996) sobre fontes e recursos financeiros alocados na Embrapa desde a sua fundação. Igualmente interessante é o relato sobre algumas experiências internacionais de financiamento de pesquisa agropecuária, em comparação com o Brasil, bem como a discussão de experiências de captação de recursos para a pesquisa da Embrapa, a exemplo da franquia de sementes de milho.

O fenômeno da globalização traz embutido também o paradoxo da colaboração-competição. É possível o relacionamento horizontal entre países desenvolvidos detentores do conhecimento científico e tecnológico e países em desenvolvimento, sem que prevaleça o sentido da competição e do auferir vantagens dos primeiros sobre os últimos? Esta é a questão principal que José de Souza Silva procura responder no artigo "Agricultural biotechnology transfer to developing countries under cooperation-competition paradox". O texto vai suscitar muita polêmica, porquanto envolve aspectos éticos, políticos e sociais que contestam o caráter neutro da ciência e da tecnologia. Uma briga antiga que reacende agora sob a égide dos avanços da genética molecular. No próximo artigo, o autor desta introdução retoma a discussão do conceito de seletividade classista de políticas públicas, elaborado por Claus Offe, e busca evidências empíricas desse procedimento seletivo na análise da política de extensão rural no Brasil ao longo de quatro décadas. Para tanto, constrói um modelo interpretativo que tem como conceito-chave a seletividade do aparelho estatal, cujos critérios se orientam para criar e sustentar as condições da acumulação privada e, ao mesmo tempo, ocultar esta determinação funcional através de mecanismos institucionais de legitimação.

Finalmente, o artigo de Rui F. Veloso, intitulado "Planejamento e gerência de fazenda; princípios básicos para avaliação dos sistemas agrossilvopastoris nos cerrados", trata de uma revisão de conhecimentos que apresenta de forma didática os princípios básicos, e universalmente aceitos da administração, aplicados ao gerenciamento de fazendas. Ainda que não tenha a pretensão de aprofundar teoricamente os conceitos utilizados, o trabalho é interessante pelo fato de mostrar como a Embrapa-Cerrados está conduzindo um estudo de avaliação de sistemas de produção alternativos com vistas à sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Na seção Debates, Ivan Sergio Freire de Sousa submete aos leitores o seu "Estudo das cadeias agroalimentares no Brasil". Na verdade, ele se propõe a algo mais complexo do que a simples análise de cadeias. O alvo são redes de relações mais amplas ("networks"), que transcendem o caráter linear das cadeias, envolvendo uma multiplicidade de atores. Atores por ele entendidos não exclusivamente no sentido sociológico do termo. Sousa utiliza o aparato teórico da teoria de redes de Bruno Latour, em que atores não são apenas pessoas, mas organizações, animais, plantas, solo, meio ambiente, insumos, instituições, mercado de ciência e tecnologia. Estes diferentes atores estão ligados pelo que o autor denomina de "processo de negociação/persuasão/ coerção para produção e processamento de produtos do setor agropecuário."

Na seção Resenhas temos duas contribuições: Antonio Teixeira de Barros comenta "O milagre italiano: caos, crise e criatividade", de Maria Lúcia Maciel, que retrata o fenômeno da inovação tecnológica naquele país, na última década. Gutemberg Diniz Guerra comenta "Estado, bandidos e heróis; utopia e conflito na Amazônia", de Violeta Loureiro, que conta a saga de um posseiro e suas lutas contra o Estado e os donos de terras.

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Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct1997.v14.8959