DESVENDANDO A IDENTIDADE DO POSSEIRO DA FRONTEIRA AMAZÔNICA

Manoel Moacir Costa Macêdo

Resumo


GUERRA, G. A. D. O Posseiro da Fronteira: Campesinato e Sindicalismo no Sudeste Paraense. Belém: UFPA / NAEA, 2001, 169 p. Embora reconhecidamente complexa, muito se tem escrito sobre a problemática do campesinato brasileiro. Como deve ser o ambiente onde opera a geração de conhecimento, predominam contradições, divergências, controvérsias e diferenças. A unidade é desejada na luta dos contrários e nesta perspectiva o professor e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA - Universidade Federal do Para e da Universidade da Amazônica - Unama, Gutemberg Guerra, com a autoridade que lhe é própria como intelectual e conhecedor das questões relacionadas com os camponeses e pobres do campo, traz ao debate conceitos até certo ponto inéditos sobre os posseiros da fronteira amazônica brasileira. O autor tem a sua vida material marcada pelas contradições do capitalismo em face das suas experiências como extensionista rural na cruel realidade do Nordeste brasileiro e como militante político. Ele adiciona neste livro um conjunto de observações acerca dos posseiros do sudoeste paraense, na busca da unidade dentro de uma complexa totalidade, visto que as realidades dos camponeses nordestinos e nortistas ambas são próprias do modo de produção capitalista. As relações sociais de produção independem da geografia física no qual estão historicamente estabelecidas a forma de produzir e apropriar-se das riquezas. A articulação das forças produtivas com as relações sociais de produção fazem construir não apenas os espaços agrícolas e não-agrícolas, mas também os sociais. O professor Gutemberg não é um estreante no contexto da comunidade científica, em face da sua intensa produção de artigos e teses científicas, e como articulista de jornais, poeta e produtor de peças teatrais. A expressão típica do caboclo amazonense, esguio e musculoso, como devem ser os trabalhadores que vendem a sua força de trabalho física, literalmente com um fardo sobre a cabeça, possivelmente castanha do Pará ou borracha (caucho) made in Brazil, figurado na capa do livro (foto do autor), identifica visualmente o imaginário da realidade concreta dos posseiros, assim como a sensibilidade, os sentimentos e a poesia da vida e obra de Gutemberg Guerra. O livro é o resultado dos estudos e pesquisas feitas para a tese de mestrado do autor em Planejamento do Desenvolvimento - Plades - na Universidade Federal do Pará. Está organizado em suas 169 páginas, distribuídas em três partes: a parte teórica (definições metodológicas e referencial teórico), a identificação da área do estudo (a fronteira agrícola no sudeste do Pará) e a caracterização do posseiro na fronteira (a figura e identidade do posseiro) e as conclusões. Sem perder o rigor do método científico, o autor coletou as suas informações de forma sistemática por meio da aplicação de entrevistas com atores sociais específicos (líderes sindicais e posseiros) e de observações participantes em sindicatos selecionados: Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itupiranga, Jacundá e Marabá. Análises descritivas e qualitativas foram também efetuadas. A região de estudo, o sudeste paraense, é identificada de um lado pelos conflitos entre grileiros e posseiros, seja pela violência para a apropriação e posse da terra rica em biodiversidade (madeira e plantas medicinais e aromáticas) e principalmente pela opulência em minerais estratégicos a exemplo do ferro. O autor mostra estas contradições com riqueza teórica e histórica ao afirmar a persistente luta entre posseiros e concessionários da terra, desdobrada desde os índios, primeiros habitantes da região, até as empresas capitalistas constituídas sob os subsídios estatais na égide da chamada modernização dolorosa. Em suas próprias palavras ele escreve que o posseiro tem, historicamente, desenvolvido uma "relação com a terra, até aqui, se dá pelo domínio da atividade latifundiária no campo que procura evidenciar a fragilidade da posse. Traz o argumento embutido na Lei de 1850 que é retomado como afirmação da grande empresa, teoricamente eficiente, contra o camponês, teoricamente representante do arcaico e pouco produtivo, e contra o arrendamento por ser uma solução primitiva" (p. 53). Ademais é discutida com originalidade a participação da mulher nas ações de luta pela terra, não como normalmente é abordado como companheira, mãe e trabalhadora, mas a relevância do seu papel como participante ativa no "movimento sindical de trabalhadores rurais e nas organizações populares ... [onde] a mulher aparece com um destaque especial, talvez por influência das reflexões feitas no seio do movimento sindical, e no próprio entendimento com suas companheiras" (p. 143 e 144). Sem assumir um claro alinhamento teórico, embora apresente mais proximidade com as teses estruturalistas e marxistas, o livro enfatiza o persistente debate desenvolvido por intelectuais de grande respeitabilidade e até então sem a unidade de conceito. Isto significa não apenas diferenças no campo acadêmico, mas assume dimensões práticas que envolvem a estratégia de atuação dos movimentos sociais, a exemplo dos sindicatos rurais. O que implica dizer que, para acadêmicos como Jacob Gorender e André Gunder Frank, o processo de colonização do Brasil foi parte do sistema capitalista mundial, enquanto para Alberto Passos Guimarães e Werneck Sodré a colonização caracterizou-se por traços feudais, como a existência de um campesinato a exemplo do que existiu na Europa. Na busca de encontrar a unidade de caracterização do posseiro e a luta pela terra, mesmo sem a pretensão de estreitar os seus conceitos, o autor apresenta abordagens diversas, como as sociológicas, jurídicas (próprias dos dogmas do direito) - sem referência ao estatuto da terra -, e políticas. A tentativa é contribuir para a identificação desta complexa categoria social: o posseiro da fronteira amazônica. Não é uma tarefa fácil, mas o autor, na sua autoridade intelectual, arrisca-se a defini-lo como: "o posseiro é aquele que luta coletivamente pela terra, dela tirando o seu sustento ... o posseiro está como que a meio caminho do sem-terra e do proprietário" (p. 17). Finalmente, o livro apresenta contribuições importantes para aqueles que desejam conhecer a problemática da luta pela terra na fronteira amazônica, incluindo os posseiros e as suas representações sindicais. É um enfoque original, valioso e indispensável para os estudiosos das questões agrárias e sociais brasileiras. Indica-se para professores, extensionistas, estudantes, formuladores de políticas e principalmente pesquisadores que formulam problemas de pesquisa e testam hipóteses científicas no contexto dos estudos sobre a ocupação agropecuária das fronteiras nacionais. Ficaria mais completo se trouxesse em seus capítulos contribuições relacionadas ao papel do Estado, da globalização, da modernização e do conhecimento científico advindo da pesquisa agropecuária oficial. É um trabalho complexo e dialético. Registre-se a grandeza intelectual dos apresentadores e prefaciadores do livro: Professores Jean Hébette, Luis Eduado Aragón, Jane Felipe Beltrão e Francisco de Assis Costa.

Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2001.v18.8857