INTRODUÇÃO

Cyro Mascarenhas Rodrigues

Resumo


Nesta edição voltamos a diversificar a pauta dos Cadernos de Ciência & Tecnologia, depois de um número temático sobre organismos geneticamente modificados na agricultura. Os artigos refletem questões conceituais e metodológicas da sociologia rural, modelos de gestão do agronegócio, conservação da biodiversidade e aspectos das relações de trabalho na agricultura irrigada nordestina.

Final de milênio e final de século são um bom motivo para reflexões e questionamentos como os apresentados por Frederick H. Buttel em seu artigo "Some reflections on late twentieth century agrarian political economy". O texto, originalmente preparado para o X Congresso da International Rural Sociology Association, realizado no Rio de Janeiro, em 2000, resgata criticamente as transformações do pensamento sociológico rural norte-americano. Mas ele concentra o foco de sua análise em dois momentos cruciais: o primeiro registra o crescimento e o declínio da "new rural sociology" nas décadas de 1970 e 1980. O segundo capta a superação dessa abordagem teórica, na década de 1990, com o surgimento de novo paradigma fundamentado na economia política e na sociologia política das cadeias agroalimentares. Em outras palavras, a emergência da chamada sociologia da globalização do agronegócio.

Essa mesma tendência, alicerçada na visão sistêmica do agronegócio, perpassa o artigo de Maria Lúcia D'Apice Paez que se intitula "Modelo de análise e gestão de sistemas de inovação do agronegócio: novos horizontes ou caos?". Partindo de pressupostos da chamada Nova Economia Institucional, cujo núcleo teórico compreende custos de transação, organização industrial e economia institucional propriamente dita, a autora propõe um modelo analítico aplicável a organizações públicas de P&D, a exemplo da Embrapa, que coordena o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária - SNPA. Muito bem fundamentado teoricamente, esse texto revela-se uma contribuição expressiva para o entendimento e o aperfeiçoamento dos processos de gestão de C&T, dentro da perspectiva sistêmica.

Em seguida vem o artigo de Francisco Benedito da Costa Barbosa: "A biotecnologia e a conservação da biodiversidade amazônica, sua inserção na política ambiental". O texto pretende demonstrar quão equivocadas têm sido as políticas de desenvolvimento da Amazônia, nos últimos 40 anos, implementadas a partir de instrumentos apenas econômicos. Depois de enfatizar a importância das técnicas da moderna biotecnologia como forma eficaz de conservação da biodiversidade na região, o autor recomenda a revisão das políticas atuais que levam ao desenvolvimento predatório. A proposta é substituir tais políticas por outras que também levem em conta a utilização dos 58,3 milhões de hectares já alterados e ampliem a capacidade de conservação dessa biodiversidade.

A questão da conservação ambiental é também focalizada no artigo assinado por Charles H. Wood, Robert Walker e Fabiano Toni. Eles relatam os resultados de uma pesquisa, tendo como hipótese central a expectativa de que a posse do título de propriedade por pequenos agricultores afeta as decisões de uso da terra e tem efeito ambiental positivo na Amazônia brasileira. Para testá-la, os autores analisaram as estratégias de investimento e de uso de recursos de dois grupos de proprietários, com e sem título, chegando à conclusão de que nem sempre a posse do título resulta em benefícios ambientais. O trabalho vale principalmente pela contribuição metodológica ao estudo da temática. Do ponto de vista conceitual, é provável que o analista mais crítico exija maior aprofundamento da discussão das realidades empíricas que contextualizam a pesquisa. Entretanto, convém salientar não ter sido esse o propósito dos autores.

Segue-se "O trabalho temporário no projeto de fruticultura irrigada: Platô de Neópolis/SE", de Dalva Maria da Mota. Temos aqui os resultados de uma pesquisa cujo objeto muito contribui para a compreensão das relações de trabalho na agroindústria sergipana. Constata-se que os contratos temporários informais negociados face a face e oralmente têm colaborado para intensificar o processo de desregulamentação trabalhista. Outra conseqüência apontada é o enfraquecimento da ação política dos sindicatos rurais que se vêem na contingência de representar trabalhadores que pouco conhecem, devido à sua extrema mobilidade e inserção diversificada no mercado de trabalho. A autora conclui que a generalização do emprego temporário não regulamentado reforça o controle social dos trabalhadores e o preço disso é a manutenção de uma condição mínima de possibilidade de encontrar emprego na região.

Na seção Debates, Eliseu Alves retoma uma questão muito trabalhada, mas não resolvida de forma satisfatória no âmbito das organizações de pesquisa agropecuária: o que fazer antes de difundir a tecnologia? Idealizador do modelo de pesquisa da Embrapa, que coloca a geração e a difusão de tecnologia como componentes de um mesmo processo, não lhe falta competência para debater o problema. Passadas mais de duas décadas, o autor reconhece que se avançou muito pouco quanto a procedimentos de avaliação da tecnologia, antes do seu lançamento. Admitindo que "não somos capazes de explicar por que o que criamos permanece nas gavetas dos pesquisadores, agora todas elas eletrônicas", ele acrescenta que as explicações disponíveis "não passam de elucubrações sem base factual ou teórica". Esperamos que os nossos leitores, principalmente os pesquisadores da Embrapa, se sintam motivados para esse debate.

Finalmente, na seção Resenhas, Levon Yeganiantz comenta um conjunto de 24 obras editadas nos últimos três anos sobre a ética na investigação científica, oferecendo aos interessados algumas opções de leitura para iniciação ou aprofundamento de conhecimentos sobre a matéria.

Desejamos a todos uma boa leitura. Cyro Mascarenhas Rodrigues Editor Técnico


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2001.v18.8840