INTRODUÇÃO

Cyro Mascarenhas Rodrigues

Resumo


Quem tem medo dos transgênicos?

Parodiando Edward Albee, introduzimos o primeiro número dos Cadernos de Ciência & Tecnologia, no Terceiro Milênio, focalizando uma temática de grande repercussão nos meios científicos e em toda a sociedade. Muito polemizada, a questão dos transgênicos vem extrapolando as fronteiras acadêmicas, ganhando fortes conotações políticas. E não poderia ser de outra forma, haja vista que a prática científica e tecnológica, como qualquer outra ação humana, está sujeita, necessariamente, ao controle social.

Acreditamos ser um falso dilema a opção "a favor ou contra" os organismos geneticamente modificados. Ninguém em sã consciência, muito menos um cientista, seria capaz de posicionar-se contra essa técnica que pode viabilizar importantes conquistas para a humanidade, principalmente nos campos da medicina, da agricultura e dos processos industriais. A polêmica parece ficar por conta de aspectos específicos de cada caso, notadamente quanto à avaliação de riscos na liberação de produtos e outras implicações da apropriação privada dos seus resultados.

Na verdade, desde a segunda Conferência de Asilomar, realizada na Califórnia, em 1975, quando os cientistas reconheceram o êxito dos primeiros resultados da transferência de genes entre espécies, propuseram, também, princípios de precaução a fim de evitar a geração de organismos transgênicos com características nocivas ao homem e ao meio ambiente.

De lá para cá muitas pesquisas foram realizadas e a engenharia genética vem superando barreiras e obtendo conquistas cada vez mais expressivas. A despeito disso, não há consenso entre os pesquisadores, principalmente quanto ao grau de certeza científica na avaliação de eventuais riscos. O debate extrapolou os fóruns acadêmicos, onde a maioria dos cientistas assume um posicionamento francamente positivo que minimiza os riscos dos Organismos Geneticamente Modificados - OGMs. Agora a polêmica ganha corpo em outros segmentos da sociedade, com ênfase no componente político envolvendo, entre outras questões, a regulamentação de biossegurança e de propriedade intelectual.

Antes de apresentar os artigos desta edição, elaborados por autores especialmente convidados e que representam as diversas tendências do debate, convém salientar que as idéias por eles apresentadas não refletem necessariamente a posição da Embrapa. É tradição dos Cadernos de Ciência & Tecnologia - CC&T -, desde o primeiro número, abrir espaço para a discussão das grandes questões científicas e tecnológicas, acolhendo as contribuições de pesquisadores e estudiosos de organizações externas à Embrapa. A essa postura crítica e equilibrada devem ser creditados o prestígio e o respeito conquistados por este periódico na comunidade acadêmica ao longo dos seus 17 anos de existência.

Mas a Embrapa tem uma posição formada a respeito dos organismos geneticamente modificados(1). Essa posição é reforçada no artigo de abertura deste número, "Transgênicos: os benefícios para um agronegócio sustentável", assinado por José Roberto Rodrigues Peres, Diretor-Executivo da Empresa. Depois de esboçar uma visão prospectiva do setor agropecuário para as próximas décadas, o autor defende a transgenia como alternativa para aumentar a produtividade, reduzir a pressão das áreas de cultivo sobre os ecossistemas naturais e a poluição ambiental, bem como reduzir os custos e aumentar a competitividade de agronegócio brasileiro. Nesta linha de raciocínio, ele mostra os avanços obtidos pela Embrapa em pesquisas na área de biotecnologia e apresenta os novos projetos estratégicos da Empresa, em fase de implantação.

No artigo seguinte, "Importância dos transgênicos para a agricultura", Afonso Celso Candeira Valois também nos mostra uma visão geral positiva sobre as possibilidades reais e potenciais do uso das plantas transgênicas, apresentando vantagens comparativas e competitivas do seu uso para a sociedade. Ele discute métodos e aplicabilidade dos organismos geneticamente modificados, mas não deixa de recomendar a avaliação de riscos à saúde alimentar e à segurança ambiental, antes da liberação desses produtos. Além disso, considera fundamental para um país possuidor de vasta biodiversidade, a exemplo do Brasil, intensificar as pesquisas e o desenvolvimento nessa área, buscando a auto-suficiência ou a redução da dependência externa.

O trabalho apresentado por Simone H. C. Scholze, "Por que a pesquisa com transgênicos é importante para o Brasil: aspectos científicos, econômicos e jurídicos", retoma alguns argumentos científicos focalizados no artigo anterior, mas dedica maior atenção aos aspectos jurídicos da questão. Neste particular, realça o papel da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio - e o exercício pleno de sua competência legal no âmbito da biossegurança de OGMs. Justifica as divergências entre essa Comissão e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama - no encaminhamento da avaliação de risco ambiental da soja Round-up Ready, da Monsanto. Recorde-se que a liberação desse produto para plantio comercial foi embargada na justiça pelo Instituto de Defesa do Consumidor - Idec -, pela ONG Greenpeace e pelo próprio Ibama. Finalmente, apresenta os pormenores dos procedimentos adotados pela CTNBio para a liberação de OGMs, tanto em fase de experimentação quanto de plantio comercial.

Segue-se o artigo de Rubens Onofre Nodari e Miguel Pedro Guerra, "Avaliação de riscos ambientais de plantas transgênicas". Embora reconhecendo o sensível aumento de precisão e do poder de manipulação genética in vivo dos organismos, mercê dos avanços da biologia molecular, nas últimas décadas, os autores são mais cautelosos quanto aos riscos da liberação em larga escala dos OGMs. Eles apresentam os seus argumentos fundamentados em ampla revisão de literatura recente, procurando fazer crer que, nas condições atuais, os cientistas têm poucas condições de prever o comportamento de um novo gene em organismo hospedeiro. Ressaltam também que os testes de avaliação de risco, por carecerem de um conjunto mínimo de protocolos e termos de referência orientadores, ainda constituem um grande desafio.

O mesmo sentimento de precaução perpassa o artigo de José Cordeiro de Araujo, "Produtos transgênicos na agricultura - questões técnicas, ideológicas e políticas". Só que ele amplia a discussão, fazendo uma panorâmica dos desdobramentos da polêmica em torno dos OGMs dentro dos aparelhos de Estado e na sociedade civil. A maior parte do texto dedica-se à revisão dos argumentos de natureza científica, técnica, econômica, ética e política esposados pelos que participam do debate, não raro contaminados por forte carga ideológica, conforme o autor. Entretanto são abordados alguns aspectos relacionados à legislação atual sobre os transgênicos e aos projetos de lei que estão tramitando no Congresso Nacional, na sua maior parte originados na Câmara de Deputados.

Fechando a seção de artigos, José Norberto Muniz comparece com o ensaio "Pesquisando para uma sociedade faminta: até quando?" que tem como pano de fundo a pesquisa transgênica, mas a pretensão é mesmo analisar criticamente o sistema nacional de C&T. Considerando que, no mundo contemporâneo, a ciência está sob análise e julgamento de fatores que lhe são externos, o autor argumenta a necessidade de os gestores de C&T compreenderem as conseqüências dessa determinação para se habilitarem à tomada de decisões que levem ao fortalecimento do sistema que administram. Entende que os gestores e estudiosos do sistema de C&T precisam tematizar os processos de pesquisa a partir das tecnologias que geram conhecimento e informação, não se limitando simplesmente à expectativa da obtenção dos produtos. É dentro desse prisma, conclui Norberto, que deve ser orientada a pesquisa com organismos geneticamente modificados, como parte de um sistema de P&D inovador.

Na Seção Debates temos duas contribuições importantes: a primeira, "O desafio das plantas geneticamente modificadas", assinada por Glaci Zancan que preside a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC -, e a segunda, "Das plantas silvestres às transgênicas", vem de Ernesto Paterniani, membro da CTNBio. São dois depoimentos de respeitáveis cientistas brasileiros que nos brindam com argumentos esclarecedores que, apesar de guardarem algumas diferenças, coincidem, pelo menos, em um ponto: quanto aos benefícios que os OGMs poderão trazer para humanidade, desde que liberados com segurança, após a avaliação caso a caso.

Na Seção Resenhas, José Carlos Nascimento, com "O presente e o futuro da agricultura de base transgênica", comenta o livro "Transgenic plants and world agriculture" (Report) editado pela National Academy Press dos Estados Unidos, tendo como autoras as seguintes Academias de Ciência: Britânica, Americana, Brasileira, Chinesa, Indiana, Mexicana e do Terceiro Mundo. Trata-se de uma referência obrigatória para os interessados em saber um pouco mais sobre o pensamento dos cientistas da área biológica sobre a questão dos transgênicos.

A outra resenha inserida nesta seção não se refere diretamente ao tema aqui debatido, nem analisa uma produção recente. Mas tem o seu valor histórico porque foi elaborada num momento em que o mundo científico vivia outra polêmica no campo da genética, de conteúdo político muito mais forte. Como se sabe, no final da década de 40, a Academia de Ciências da União Soviética, confrontando o pensamento científico do resto do mundo, insistia em adotar como oficial, no Leste Europeu, a teoria genética formulada por Lysenko, em detrimento das Leis de Mendel consagradas nos países ocidentais.

Estamos nos referindo ao livro comentado pelo sempre lembrado pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas - IAC -, Alcides Carvalho, intitulado "Heredity East and West - Lysenko and the World Science", editado em 1949. A resenha foi publicada originalmente em O Agronômico, v.2, n.22, edição de janeiro de 1951, aqui reproduzida com a autorização da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - Apta. Desta forma homenageamos a memória do Dr. Alcides Carvalho, e resgatamos para a apreciação dos mais jovens uma polêmica de certa forma parecida com a que vivemos atualmente, guardadas as especificidades de suas motivações, em contexto histórico diferente.

Sem mais delongas, esperamos que este número seja do agrado dos nossos leitores e marque época pela importância e oportunidade das discussões aqui apresentadas. Não poderia haver melhor maneira de começarmos o Terceiro Milênio. Cyro Mascarenhas Rodrigues Editor


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2001.v18.8829