INTRODUÇÃO

Cyro Mascarenhas Rodrigues

Resumo


A questão da segurança alimentar vem ocupando espaços, cada vez maiores, nas agendas de governantes, cientistas e profissionais das áreas de saúde, meio ambiente e agropecuária, em particular. A temática repercute intensamente na mídia e preocupa consumidores em todas as latitudes, principalmente quando acontecem acidentes graves, a exemplo das intoxicações alimentares causadas por ingestão de carne contaminada com o vírus da "vaca louca".

Nessas circunstâncias, é natural que a discussão sobre a prática da agricultura orgânica, também, seja focalizada na literatura científica com mais intensidade. Situação muito diferente da verificada há quase duas décadas, quando o assunto praticamente não despertava o interesse da comunidade científica.

Em 1986, no ocaso da chamada revolução verde, tivemos a oportunidade de assistir, na Embrapa, a uma palestra do professor Adilson Paschoal, um dos pioneiros da abordagem científica da agricultura orgânica no Brasil. Boa parte da platéia parecia céptica quanto à eficácia dessa prática e talvez dos seus fundamentos científicos. O professor apresentou os seus argumentos com muita precisão, conseguindo nos convencer da complexidade da agricultura orgânica àquela altura incipiente, e da necessidade de pesquisas para respaldar as iniciativas de produção. Muita coisa mudou de lá para cá. Hoje, ninguém mais questiona o estatuto científico da agricultura orgânica. O desenvolvimento sustentável, a segurança alimentar e a melhoria da qualidade de vida, corolários da produção orgânica de alimentos, são itens privilegiados nos objetivos e diretrizes estratégicos da própria Agenda Institucional da Embrapa.

Esta edição dos Cadernos de Ciência & Tecnologia é dedicada à discussão da agricultura orgânica, abordando aspectos conceituais, operacionais, econômicos, sociais e ambientais.

O primeiro artigo, "Uso potencial da análise do ciclo de vida (ACV) relacionada aos conceitos da produção orgânica aplicada à agricultura familiar" é de Armando Caldeira Pires, Raimundo Rabelo e José Humberto Xavier. Nele são discutidos ferramentas de avaliação de impacto ambiental e de acesso ao mercado com vistas à viabilizar a produção de alimentos orgânicos no âmbito de pequenas propriedades do tipo familiar. Os autores sugerem que a exeqüibilidade da agricultura orgânica nessas unidades produtivas viabiliza ganhos políticos, econômicos e sociais, de modo a potencializar efeitos positivos no conjunto da sociedade brasileira.

Segue-se "O processo de conversão de sistemas de produção convencionais para sistemas de produção orgânicos", de Alberto Feiden, Dejair Lopes de Almeida, Vinícius Vitoi e Renato Linhares de Assis. Neste artigo temos alguns elementos para uma análise de procedimentos e estratégias com vistas à passagem da agricultura tradicional para a agricultura orgânica. Na visão dos autores, não existe receita para orientar os agricultores na sua decisão de adotar o processo de conversão. Técnicos e agricultores devem estar conscientes de que cada caso exige um conjunto de procedimentos interrelacionados envolvendo aspectos culturais, técnicos, educacionais e normativos, sem desconsiderar o mercado e suas transformações.

Enfocando principalmente a estruturação do mercado orgânico, temos "Agricultura orgânica e comércio justo", uma revisão de conhecimentos elaborada por Yara M. Chagas de Carvalho. A primeira parte do trabalho é uma recapitulação histórica do movimento de agricultura orgânica em São Paulo, iniciado em 1976, sob os auspícios da Associação dos Engenheiros Agrônomos daquele Estado. Segue-se a discussão do aspecto comercial da agricultura orgânica, relacionado ao movimento internacional do comércio justo, procurando situar nesse contexto o papel do Estado.

O próximo artigo "Pecuária e agroecologia no Brasil", de Elsio Figueiredo, trás o foco da produção orgânica para o âmbito da bovinocultura, caprino-ovinocultura, suinocultura e avicultura. O objetivo é discutir a produção animal agroecológica e propor sugestões de integração dessa prática a outras práticas agrícolas nos diversos agroecossistemas brasileiros e certamente agroecossistemas que estejam produzindo dentro da perspectiva orgânica, biológica, biodinâmica, sustentável e regenerativa. O autor espera que em futuro próximo se possam estabelecer as normas brasileiras para a produção animal agroecológica.

Nessa linha de raciocínio, temos o artigo de Maria Fernanda Fonseca "Certificação de sistemas de produção e processamento de produtos orgânicos de origem animal: história e perspectivas". Trata-se de uma criteriosa revisão que resgata normas, legislação e processos de certificação de produtos orgânicos de origem animal em diversos países, discutindo, em seguida, a situação no Brasil. O estudo sugere que é muito importante a participação formal da comunidade orgânica, incluindo consumidores, na concepção de standards privados que possam ser referências em estatutos e regulamentações governamentais. Somente dessa maneira pode-se pensar numa "dinâmica institucional que acompanhe o crescimento do mercado, sem abandonar os princípios norteadores da agricultura orgânica", conclui.

A seguir, apresentamos um texto sobre a avaliação do desempenho de métodos de controle biológico em cultivo orgânico, nas condições de uma fazenda nos arredores do Distrito Federal. Em "Controle biológico de insetos-praga na soja orgânica do Distrito Federal", Edson R. Sujii e outros autores relatam os resultados de suas observações de campo que incluem dados comparativos de custo de produção e rentabilidade, confrontando os sistemas de produção orgânico e convencional de soja.

A seção de Debates está um pouco diferente da sua forma habitual de apresentação. Por esse motivo, tomamos uma questão polêmica "o uso da uréia na agricultura orgânica" e pedimos que pesquisadores contrários e favoráveis a essa prática justificassem os seus pontos de vista para esclarecimento dos nossos leitores. O resultado são dois textos muito bem elaborados, cada qual ressaltando a fundamentação dos seus argumentos. O primeiro, "Por que não utilizar uréia como fonte de N orgânico na agricultura orgânica", assinado por Maria Cristina Prata Neves, Helvécio De-Poli, Ricardo Trippia Peixoto e Dejair Lopes de Almeida, encaminha negativamente. O outro texto, "Uréia: um adubo orgânico de potencial para a agricultura orgânica", preparado por Segundo Urquiaga e E. Malavolta, encaminha favoravelmente.

Finalizando, a Seção Resenha trás um comentário de Vanice Dolores Bazzo Schmidt sobre a obra "Manger Bio" de autoria de Lylian Le Goff, editada por Flammarion, Paris 2001.

Desejamos boa leitura e que os artigos aqui apresentados estejam à altura da expectativa dos nossos leitores.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2002.v19.8801