INTRODUÇÃO

Maria Amalia Gusmão Martins

Resumo


Embora seja indiscutível o fato de que toda ação transformadora e qualquer empreendimento humano necessariamente repercutem, em menor ou maior grau, sobre o meio ambiente, foi apenas nas últimas 4 décadas que se disseminou a importância dessa óbvia constatação, em amplitude mundial.

Merecedora de um quadro regulatório específico e uma considerável mobilização da burocracia estatal - primeiramente por parte das nações mais desenvolvidas da Europa e, nas últimas duas décadas, por um número considerável de nações periféricas - a questão ambiental passou a ser, de forma obrigatória e inexorável, considerada, pelo menos do ponto de vista normativo, em todo e qualquer empreendimento de grande escala, inclusive nos países menos desenvolvidos. Isso se deve, obviamente, não ao grau de conscientização coletiva das populações destes países, mas à pressão exercida pelos acordos internacionais firmados e às resoluções tomadas no âmbito das conferências mundiais sobre o meio ambiente, promovidas pela Organização das Nações Unidas.

Nas nações periféricas, paralelamente ao fraco poder de imposição e fiscalização do Estado, mobilizam-se muitos grupos da sociedade organizada, sob as mais diversas perspectivas e interesses, com os mais variados slogans e, sem dúvida, em dimensões que ultrapassam em muito as pretensões dos primeiros movimentos em prol da natureza - aquelas mobilizações puramente ecológicas, e um tanto românticas, das décadas que antecederam a Conferência do Rio, em 1992.

O acirramento do aparato normativo internacional confere aos temas ambientais prerrogativas nunca antes experimentadas. A visibilidade da questão ambiental se promove mais pela pressão desse aparato normativo do que pela real necessidade de minimizar, pelas vias do conhecimento, os estragos ambientais provocados pelos modelos de desenvolvimento que desprezaram todos os alertas de risco feitos pela ciência em cada época.

No Brasil, os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) para intervenções de âmbito local ou regional - como projetos agrícolas em escala, estradas, barragens, fábricas e agroindústrias - passaram a ser obrigatórios a partir de sua regulamentação pelo Decreto nº 88.351, em 1983. Outras intervenções e atividades - como aquelas realizadas com organismos geneticamente modificados ou como as relacionadas à extração mineral - foram posteriormente incorporadas. Conseqüentemente, os problemas técnicos e as metodologias diretamente relacionados a esse tipo de estudo, ou decorrentes de sua aplicação, segundo o tipo de atividade, passaram a constar com maior freqüência e intensidade do rol das demandas sociais, dos editais de agências financiadoras, das agendas de instituições de pesquisa e, por fim, da pauta de interesses específicos de grupos de pesquisa.

O fato é que os temas ambientais ganharam, no nosso país, maior visibilidade e novos espaços de discussão. É notável o reflexo dessa emergência sobre o pequeno universo editorial de um periódico técnico-científico como os Cadernos de CC&T. Problemas de pesquisa relacionados à questão ambiental têm comparecido na maioria dos textos enviados à revista neste último ano. No presente número, o fenômeno é evidente.

No artigo Zoneamento para planejamento ambiental: vantagens e restrições de métodos e técnicas, João dos Santos Vila da Silva e Rozely Ferreira dos Santos reiteram a necessidade de uma visão integradora das várias perspectivas disciplinares no planejamento ambiental, a partir do zoneamento, e apresentam as vantagens e as restrições da aplicação dos principais métodos relatados em literatura. Os autores defendem que, entre os principais tipos de abordagem para zoneamento - álgebra booleana e análise multivariada -, este último se mostra promissor para a integração de dados, podendo as zonas ser mais bem qualificadas e quantificadas pelas técnicas de agrupamento e análise de correspondência.

No artigo Treino e Visita: experiência da Embrapa Soja e da iniciativa privada na transferência de tecnologia, Osvaldo Vasconcellos Vieira, Marcelo Fernandes de Oliveira e Lineu Alberto Domit apresentam vantagens e limitações da metodologia de Treino e Visita para a validação tecnológica e a transferência de tecnologia. O caso apresentado refere-se à cultura do girassol, numa experiência de parceria com uma empresa privada, visando ampliar o nível de adoção da tecnologia em questão, a melhoria da qualidade do ambiente produtivo e as eficiências técnica e econômica dos produtores assistidos, para a expansão da cultura do girassol pela região centro-oeste do Paraná.

A utilização da metodologia proporcionou um aumento da produtividade de 866 kg/ha para 1.483 kg/ha, além da incorporação de novas tecnologias pela cultura. Apesar da rápida difusão da soja transgênica resistente a herbicidas nos EUA, na Argentina e, de forma clandestina, no Brasil, existem ainda poucos estudos capazes de fornecer uma resposta científica conclusiva quanto às vantagens e às desvantagens técnicas e econômicas desse tipo de cultura.

Da mesma forma, pouco ainda se sabe sobre os impactos econômicos resultantes da comercialização da soja convencional utilizando-se sistemas de segregação e de certificação de qualidade. No estudo intitulado Soja transgênica versus soja convencional: uma análise comparativa de custos e benefícios, Victor Pelaez, Leide Albergoni e Miguel Pedro Guerra fazem uma revisão dos estudos realizados por universidades e institutos de pesquisa sobre a comparação dos custos de produção, da produtividade e da rentabilidade da soja transgênica em comparação à soja convencional nos EUA e na Argentina.

Caracterizacão dos impactos ambientais na agricultura: o uso potencial da metodologia de análise de ciclo de vida (ACV), de José Humberto Valadares Xavier e Armando Caldeira-Pires, é um trabalho de caráter teórico, que trata do uso da ACV para análise de impactos ambientais da produção agrícola familiar. O conceito fundamental dessa técnica é o do ciclo de vida, que surge com a consciência de que qualquer produto, processo ou atividade produz impactos no ambiente desde o momento em que são extraídas as matérias-primas indispensáveis à sua existência até o momento em que, após sua vida útil, o produto é devolvido à natureza. O texto fornece uma visão abrangente da metodologia, seus principais conceitos e as fases de sua utilização, bem como seu uso para determinar impactos ambientais na agricultura, visando discutir a potencialidade de sua aplicação.

O texto da seção Debate alinha-se à temática ambiental dominante deste número dos Cadernos de CC&T, trazendo mais uma vez às páginas da revista a questão da introdução de plantas transgênicas. As indagações, ainda sem resposta quanto ao impacto ambiental resultante da introdução de OGMs, são discutidas à luz de uma perspectiva mais ética do que biológica, desta vez num texto polêmico de Sandro Luis Schlindwein, cujo título - Introdução de plantas transgênicas no Brasil: basta avaliar o risco ambiental? - alude à utilização dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) como principal instrumento de suporte no processo de tomada de decisão quanto à introdução de plantas transgênicas em escala comercial. Esperamos que, em virtude da natureza polêmica do tema e das idéias defendidas pelo autor, esse texto suscite réplicas. Essa é a função da seção Debates: fomentar o debate de cunho técnico e acadêmico sobre questões atuais relacionadas à ciência e tecnologia, à inovação tecnológica no contexto de sua aplicação e ao desenvolvimento sustentável.

Na seção Resenha, Wilson Corrêa da Fonseca Júnior faz uma análise crítica do livro Genes, povos e línguas, de autoria do geneticista italiano Luigi Luca Cavalli-Sforza, que, na sua obra, se propõe a examinar a história da evolução humana nos últimos 100 mil anos, recorrendo à arqueologia, à genética e à lingüística.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2004.v21.8709