INTRODUÇÃO

Maria Amalia Gusmão Martins

Resumo


Este vigésimo terceiro volume dos Cadernos de Ciência & Tecnologia, correspondente ao ano de 2006, reúne trabalhos com temáticas diversas, diferentemente do volume anterior, concentrado sobre o vasto e multifacetado tema da agricultura familiar.

Abrimos o presente fascículo com o ensaio de Fernando Fleury Curado, intitulado Identidade social: unidade e singularidade na luta pela terra no Brasil, em que o autor explora, a partir da perspectiva de diversos autores, algumas dimensões esclarecedoras das transformações ocorridas na vida de trabalhadores rurais que ingressaram no movimento de luta pela terra em diferentes experiências no País. Ele busca identificar e analisar alguns aspectos acerca das transformações ocorridas na vida de trabalhadores rurais diante do processo de assentamento rural no Brasil, à luz das leituras mais recentes sobre reforma agrária e assentamentos rurais. Algumas dessas leituras apóiam-se na compreensão de que a luta pela terra confere a possibilidade de construção de identidades sociais. Curado procura explorar os limites de sustentação da dimensão representada por essa perspectiva, bem como investigar seus fundamentos. Uma outra dimensão - cuja análise se fundamenta não mais na construção de identidades sociais, mas na conformação de singularidades, de novas subjetividades e das ações não circunscritas ao provável de um grupo - é igualmente explorada. O poder explicativo dessa segunda leitura é analisado, bem como os limites e as potencialidades por ela oferecidos ao entendimento da realidade de vida nos assentamentos rurais. O trabalho explora caminhos que buscam demonstrar que o aparecimento do agricultor assentado realiza-se como um processo de luta heterogêneo, um produto da interação entre fatores internos e externos ao assentamento, mostrando-se constantemente marcado por continuidades e descontinuidades.

No artigo Adaptação da quinoa para incrementar a diversidade agrícola e alimentar no Brasil, Carlos Roberto Spehar buscou apresentar o estado da arte sobre o cultivo da quinoa (Chenopodium quinoa Willd.), espécie da família Chenopodiaceae de introdução recente no Brasil, propondo o seu emprego como alternativa para diversificar a agricultura, em bases sustentáveis, com reflexo positivo nos sistemas de produção e na segurança alimentar. O cultivo da quinoa tem despertado interesse por causa de grandes esforços, nos últimos 15 anos, em pesquisa, experimentação e desenvolvimento e pelo agravamento dos problemas fitossanitários decorrentes de monocultivo, especialmente da soja no Cerrado, que intensifica a demanda por diversificação e utilização de culturas alternativas que possibilitem interromper o ciclo de pragas e doenças. O trabalho enfatiza a importância agrícola e alimentar da quinoa, bem como as vantagens econômicas do seu cultivo.

No artigo Organização do trabalho em instituição de P&D e construção do conhecimento no agronegócio, Vicente Galileu Ferreira Guedes e Danilo Nolasco Côrtes Marinho investigam as relações da equipe e da parceria como modos organizacionais na produção em P&D na Embrapa, à luz do que propõem Gibbons et al. (1996) sobre "a nova produção do conhecimento". Os autores coletaram dados de gestão da Empresa, de 2000 a 2003, contabilizados sob quatro subconjuntos de indicadores: produção técnico-científica; produção de publicações técnicas; transferência de tecnologia e promoção da imagem; desenvolvimento de tecnologias, produtos e processos. Esses e mais a produção total são as variáveis de produção em P&D nesta pesquisa. A análise estatística e a discussão qualitativa buscaram entender a subjetividade do objeto de trabalho. A correlação entre índices de parceria e números de equipes e, por outro lado, produção em P&D, é baixa. A possível ausência de influência entre as variáveis independentes e dependentes é discutida. Os resultados da investigação não significam que equipes e parcerias sejam desprezíveis para a construção do conhecimento. Se por um lado os achados quantitativos são limitados, por outro, o universo estudado é rico em diversidade. Daí admitir-se que formatos organizacionais não devem ser desprezados na busca de estratégias favoráveis ao novo modo de construção do conhecimento.

O consumidor de carne bovina do Distrito Federal é a referência central da pesquisa apresentada no trabalho intitulado O consumidor de carne bovina do Distrito Federal: quanto paga e que atributos de valor o fariam pagar mais, de Marlon Vinicius Brisola e Antônio Maria Gomes de Castro. Os autores buscaram saber, sobretudo, qual o perfil socioeconômico do consumidor de carne bovina do Distrito Federal, quanto tem pago pelo produto e que atributos de valor o fariam pagar mais. Para buscar as respostas, foram entrevistados consumidores e compradores de carne bovina em diversos pontos dessa Unidade da Federação. Entre os resultados mais relevantes, encontrou-se uma grande variação do valor pago pela carne pelos consumidores de grupos de Regiões Administrativas com semelhanças socioeconômicas, embora em todas elas os consumidores considerem o preço pago muito elevado. Os resultados demonstram que as mulheres mostram maior disposição do que os homens em pagar mais pela carne de segunda e cortes especiais e que não há praticamente nenhum interesse dos consumidores em pagar mais por qualquer atributo de valor adicionado à carne bovina. Foi verificado ainda que a presença de um selo de qualidade e a garantia de uma carne mais macia podem significar atrativos para esse consumidor, mesmo com um preço diferenciado.

A seção Debates traz o artigo Agricultura familiar e pesquisa agropecuária: a questão vista de um outro ângulo, assinado por Antonio Flavio Dias Ávila, Levon Yeganiantz e José Ramalho de Castro. Os autores consideram que, embora parte da demanda da agricultura familiar seja tecnológica, tais demandas tratam prioritariamente da adaptação de tecnologias às condições locais e suas características sócio-culturais, algo que não consta da missão principal do Governo Federal, mas sim da missão dos governos estaduais, por intermédio das suas organizações públicas de pesquisa agropecuária. Nesta perspectiva, a Embrapa teria um papel preponderantemente acessório, de apoio, seja desenvolvendo trabalhos em conjunto, seja promovendo treinamentos em serviço para os técnicos dos Estados, o que justificaria uma redução da ênfase dada ao redirecionamento dos centros nacionais de pesquisa, de modo a que se concentrem neste tipo de pesquisa, como tem sido sinalizado. Os autores defendem a posição de que o papel principal na questão da agricultura familiar deve ser assumido pelas organizações estaduais de pesquisa agropecuária, juntamente com os órgãos de assistência técnica e extensão rural. A argumentação dos autores se fundamenta na premissa de que as pesquisas da Embrapa têm âmbito nacional e eco-regional e estão mais focadas em tecnologias que atendam a produtores com disponibilidade de recursos (humanos, físicos e financeiros), os quais geram "economias de escala", enquanto as OEPAs, tradicionalmente voltadas a questões mais locais, estariam mais orientadas à geração e adaptação de tecnologias menos exigentes em termos de recursos. Tais tecnologias seriam portanto mais geradoras de agregação de valor ("economia de valor") do que geradoras de economia de escala. Nesta perspectiva, os pequenos produtores familiares estariam mais inseridos no marco legal em que se insere a pesquisa estadual/local do que aquele dos centros de pesquisa da Embrapa, significando que os atores estaduais devem assumir o papel de protagonistas, e não de coadjuvantes, no que tange à pesquisa de interesse da agricultura familiar.

Na seção Resenhas, apresentamos não uma obra singular, mas uma publicação eletrônica - Liinc em revista - editada semestralmente pelo Laboratório Interdisciplinar sobre Informação e Conhecimento (Liinc), um espaço interinstitucional e multidisciplinar, coordenado em parceria entre a UFRJ e o IBICT e voltado para a reflexão crítica sobre informação, conhecimento e desenvolvimento, ante as transformações no mundo contemporâneo.


Palavras-chave





DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2006.v23.8652