Introdução ao número 1 do v. 31 da revista Cadernos de C&T

Maria Amalia Gusmão Martins

Resumo


Este número dos Cadernos de C&T comemora, simultaneamente, os 30 anos completos do periódico e os 40 anos de funcionamento da instituição que o publica – a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Como costuma acontecer há quase 40 anos, um prêmio de âmbito nacional – o Prêmio Frederico de Menezes Veiga, instituído pela Embrapa em 1974 – é concedido àqueles que se destacaram no campo da pesquisa agropecuária, seja pela realização de obra científica ou tecnológica de reconhecido valor, seja pelo desenvolvimento de um trabalho que tenha contribuído efetivamente para o desenvolvimento do setor agropecuário brasileiro. A partir do ano de 2013, a participação dos pesquisadores vinculados às instituições que compõem o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA) se dá por meio de inscrição no Concurso Frederico de Menezes Veiga, que tem por finalidade estimular pesquisas que contribuam para o desenvolvimento sustentável do espaço rural,
em benefício dos diversos segmentos da sociedade brasileira, especialmente sobre o tema selecionado para cada ano.

O position paper vencedor do I Concurso Frederico de Menezes Veiga, edição 2013, veio do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), que abriga o programa de melhoramento de mandioca mais antigo do mundo ainda em atividade. Os resultados desse  programa de melhoramento vêm impactando o setor de produção e a própria pesquisa desde a década de 1950, seja em termos de produção de matéria-prima para a indústria, seja em termos de variedades de mesa, seja como base genética para programas de melhoramento no País e no exterior. As variedades do IAC produziram impacto no Cerrado brasileiro, na agricultura e industrialização de amido e farinha de mandioca no Centro-Sul do Brasil e nos mercados hortícolas, tendo o programa de melhoramento de mandioca do Instituto contribuído para uma agricultura competitiva e sustentável.

Coube-nos a apresentação dos autores do trabalho vencedor do I Concurso Frederico de Menezes Veiga, edição 2013, bem como a publicação deste. A primeira autora, Teresa Losada Valle, pesquisadora científica do IAC, é engenheira-agrônoma pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e doutora em Genética e Melhoramento de Plantas pela mesma instituição. Atua em P&D desde 1982, e seus primeiros trabalhos foram com coleta de germoplasma de mandioca. O segundo autor, José Osmar Lorenzi, pesquisador científico do IAC, hoje aposentado, é também engenheiro-agrônomo pela Esalq e mestre em Nutrição Mineral de Plantas pela mesma instituição. A parceria desses dois pesquisadores no desenvolvimento de trabalhos de melhoramento já conta mais de 30 anos. O mais recente artigo em coautoria – Variedades melhoradas de mandioca como instrumento de inovação, segurança alimentar, competitividade e sustentabilidade: contribuições do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) – é o trabalho vencedor do I Concurso. Nele, os autores focalizam a mandioca – essa cultura de pequenos agricultores, que é, todavia, a sétima cultura em volume de produção no mundo, importante para a segurança alimentar mundial e estratégica para produção de alimentos, amido e energia – e as contribuições do programa de melhoramento genético do IAC para o aumento de produtividade da cultura e o aporte de material genético para outros programas de melhoramento, no Brasil e em outros países.

Quatro décadas de existência da Embrapa

Criada em 1973, a Embrapa recebeu toda a considerável estrutura física do Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação (DNPEA), que coordenava os órgãos de pesquisa existentes àquela época. Como enfatizam Eliseu Alves, um de seus fundadores, e Maurício Lopes, seu presidente atual, em um recente artigo publicado por ocasião dos 40 anos de criação da Empresa no jornal O Estado de São Paulo1, “a Embrapa nasceu como resposta do governo federal a crises de abastecimento de alimentos na metade das décadas de 1960 e 1970, da necessidade de aumentar e diversificar as exportações e de reduzir os preços dos alimentos, que pressionavam salários urbanos”. Tais ações foram fundamentais para o êxito da política de industrialização brasileira vigente na época. Portanto, o grande desafio enfrentado pela diretoria da nova empresa era o de conceber um modelo de planejamento da pesquisa agropecuária completamente novo, capaz de responder à demanda por mais alimentos e, complementarmente, um programa de capacitação que identificasse, organizasse e especializasse o pessoal que faria funcionar o novo modelo de pesquisa e seria responsável pela sua gestão, nas diferentes áreas e nas diversas instâncias da nova estrutura organizacional implantada.

Na década de 1970 foram desenhados o primeiro modelo institucional para a empresa recém-criada e o primeiro sistema de programação da pesquisa a ser por ela executada, tendo-se paralelamente implementado um dos mais ousados programas de formação de recursos humanos concebido no País. A Embrapa contou, a partir de então, com um quadro excepcional, constituído de pesquisadores e técnicos agropecuários com formação nas principais instituições de ensino superior nacionais e pós-graduação nos melhores centros universitários do mundo, sobretudo em universidades norte-americanas.

Esse novo pesquisador, surgido na década de 1970, moldado em instituições acadêmicas estrangeiras e motivado pelos desafios reais do mundo agrícola, colocados em evidência pelos governos de então como problemas reais a serem respondidos, tinha traços e características que o diferenciavam do perfil do pesquisador do antigo sistema de pesquisa agropecuária, coordenado pelo então DNPEA, do Ministério da Agricultura, e o aproximavam dos pesquisadores acadêmicos atuantes nas mesmas áreas do conhecimento, à época, nas universidades brasileiras e estrangeiras, bem como nas organizações governamentais e de pesquisa agrícola dos EUA e da Europa.

O modelo institucional, o sistema de planejamento da pesquisa e a formação e qualificação desse excelente quadro de pesquisadores e técnicos agropecuários foram fatores fundamentais para a performance institucional excepcional apresentada pela Embrapa ao longo das suas quatro décadas de existência. Desses três fatores, apenas dois foram contínua e constantemente aperfeiçoados, redimensionados e até mesmo reconstruídos: o modelo institucional e o modelo de programação da pesquisa. Quanto ao terceiro fator – relativo à manutenção do processo de formação e qualificação de pesquisadores e técnicos agropecuários iniciado na década de 1970 –, este não dependia apenas da iniciativa e esforços da instituição, mas de uma política em formação e qualificação de recursos humanos na qual o País nem sempre investiu. Desse modo, em alguns períodos, o processo de qualificação e especialização foi suspenso ou limitado, bem como foi suspensa a realização de concursos públicos para recomposição do quadro de pessoal da Empresa. Hoje, embora limitado, o programa de aperfeiçoamento e de pós-graduação é ainda mantido. Assim, o modelo institucional e o modelo de programação da pesquisa da Embrapa foram constantemente adaptados ou mesmo reconstruídos, de acordo com as mudanças no ambiente externo, sejam estas de natureza normativa – leis, decretos, a Constituição de 1988, normas nacionais e internacionais como as da ISO, as de patentes, as relativas aos recursos genéticos, à propriedade intelectual, biodiversidade, etc. –, econômica, social ou política, além das próprias mudanças tecnológicas, como é o caso do advento das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), com impacto direto na guarda, tratamento e processamento de dados e informações, bem como no acesso à informação produzida pela Empresa. As TIC, que tiveram forte influência inicial por ocasião da implementação do planejamento estratégico realizado no início dos anos 1990 e da formulação do Sistema Embrapa de Planejamento (SEP), permitem o avanço, hoje, para modelos de programação em rede de projetos.

Os dois ensaios convidados para este número tratam de gestão da pesquisa, o que stricto sensu se refere à programação da pesquisa e lato sensu abarca o planejamento institucional e a formação do quadro de recursos humanos da
Empresa.

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DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2014.v31.19450