Este segundo número do volume 28 completa a edição temática sobre Transferência de tecnologia na agricultura brasileira, fruto de uma iniciativa proposta, em 2010, pela Diretora Executiva da Embrapa e pelo então recém-criado Departamento de Transferência de Tecnologia (DTT), iniciativa esta imediatamente aceita pela Embrapa Informação Tecnológica e pela revista Cadernos de C&T.

A chamada de artigos para a edição temática, lançada em julho de 2010, teve uma inegável boa acolhida junto à comunidade acadêmica e junto às instituições ligadas à pesquisa agropecuária governamental. O número de trabalhos submetidos, bem como a qualidade de grande parte destes, superou as expectativas dos editores e implicou uma edição em dois números, o que não havia sido originalmente previsto.

O tema em foco é a transferência de tecnologia na agricultura brasileira. As instituições participantes e os autores de artigos aprovados para publicação são inúmeros. Em termos quantitativos, estes dois números temáticos congregam 27 trabalhos – 25 artigos, um texto de debate e uma resenha – e envolvem a participação de 94 autores. Deste contingente de autores, 17 são professores de universidades públicas, federais e estaduais, 5 são professores universitários da rede privada, 3 são vinculados a instituições de assistência técnica e extensão rural, 4 provêm de organizações estaduais de pesquisa (Oepas), 45 são vinculados à Embrapa, 14 pertencem aos quadros de outras diferentes organizações – públicas, privadas ou não governamentais – e 8 são atualmente mestres e doutorandos, sendo que 6 destes estão unicamente vinculados aos programas de pós-graduação das universidades que frequentam, sem qualquer outro vínculo institucional.

Os aspectos da transferência de tecnologia tratados nesta edição temática são vários, e os contextos em que se dão os levantamentos são igualmente variados. Na abertura deste segundo número, são apresentadas três iniciativas concretas de transferência de tecnologia e os resultados já mensurados desses empreendimentos, que acontecem no Sul do País – no Alto Uruguai Catarinense e na região perimetropolitana de Porto Alegre, RS – e no Semiárido nordestino, mais especificamente no Município de Dormentes, em Pernambuco.

Um caso bem-sucedido de projeto de intervenção na área ambiental é relatado e analisado no artigo Adequação ambiental da suinocultura do Alto Uruguai Catarinense: ação coletiva na construção de um Termo de Ajustamento de Condutas (TAC), assinado por Cláudio Rocha de Miranda, Elcio Oliveira da Silva, Gentil Bonez e Julio Cesar Pascale Palhares. A experiência envolveu cerca de 3.000 suinocultores, adotou uma abordagem participativa, mobilizou entidades públicas, privadas e do terceiro setor, manteve uma intensa programação de atividades por mais de oito anos ininterruptos e abriu espaços de discussão para vincular os problemas ambientais às questões socioeconômicas que afetam a atividade rural.

No trabalho intitulado Manejo reprodutivo e alimentar para o fortalecimento da ovinocultura de corte em associação de produtores no Semiárido nordestino, no Brasil, Daniel Maia Nogueira, Sergio Guilherme de Azevedo, Tadeu Vinhas Voltolini, Salete Alves de Moraes, João Bosco Loiola Filho e Thiago Vinicius Costa Nascimento apresentam os resultados da transferência de tecnologias para o manejo reprodutivo de ovinos de corte no âmbito de uma associação de produtores do Município de Dormentes, em Pernambuco. Os produtores participaram ativamente das atividades e passaram a aplicar as técnicas utilizadas.

Antonio Marcos dos Santos Vignolo, Antonio Augusto Alves Pereira, Leandro Feijó Fagundes, Celso Alves da Silva e Paulo Emílio Lovato apresentam a primeira experiência de plantio de arroz orgânico em assentamentos da região perimetropolitana de Porto Alegre, que posteriormente se expandiu pelos demais assentamentos. A agricultura praticada nessa região é fortemente centrada no arroz irrigado, e as famílias assentadas buscaram inicialmente reproduzir o modelo de orizicultura convencional, com consequências negativas sob vários aspectos, considerado o contexto dos assentamentos. Em A produção de arroz orgânico nos assentamentos da reforma agrária na região perimetropolitana de Porto Alegre, RS, os autores buscaram sistematizar os dados técnicos e de produção da atividade que atualmente envolve 204 famílias, com uma área plantada de 1.200 hectares e uma produção de cerca de 5.200 toneladas de arroz ecológico, sendo grande parte desta produção certificada. O trabalho traz ainda informações relevantes sobre os fatores que levaram os assentados a adotar a tecnologia, os impactos da adoção e a comparação entre os modelos de produção, em termos econômicos.

Os três trabalhos que se seguem contemplam o relato de uma experiência de transferência de tecnologia no contexto de um centro de pesquisas – das formas de comunicação utilizadas no processo de transferência até o levantamento das taxas percentuais de sua adoção –, a interessante experiência de gestão inovadora – uma cooperativa virtual para produtores familiares – levada a termo em Nova Veneza, SC, e um experimento de conversão de área de pastagem em área de cultivo agroecológico, no Município de Porto Acre, AC, sob o enfoque de pesquisa-ação.

A transferência da tecnologia do uso da compostagem de carcaças pela Embrapa Suínos e Aves, assinado por Doralice Pedroso de Paiva, Marcos Venícios Novaes de Souza e Vitor Hugo Grings, relata a experiência levada a termo em um centro de pesquisa na transferência da tecnologia de compostagem de carcaças. A tecnologia transferida, que permite obter um material final a ser empregado como adubo, processado dentro das normas definidas pela legislação, alcança altos níveis de adoção nas granjas de avicultura e junto aos suinocultores, segmento no qual algumas agroindústrias informam adoção total por parte de seus integrados.

As cooperativas virtuais representam uma forma alternativa de cooperação, na qual não são necessários investimentos em instalações e equipamentos. A cooperativa virtual tem o papel de legalizar a produção das unidades familiares de produção a ela associadas, tornando possível a permanência dessas famílias no campo, com melhoria da renda, além de despertar o espírito cooperativista e solidário entre os cooperados. Cooperativismo virtual: o caso da Cooperativa de Produção Agroindustrial Familiar de Nova Veneza (Coofanove), em Santa Catarina, é um estudo de caso assinado por Dimas de Oliveira Estevam, Juliana Marcolino, Joelcy José Sá Lanzarini e Cristian Madeira, sendo resultado de uma pesquisa exploratória.

Pesquisa-ação na conversão de pastagem em roçado na agricultura familiar amazônica, de Sonaira Souza da Silva e Sebastião Elviro de Araújo Neto, descreve o processo de transferência dos roçados do fundo do lote para próximo das residências, a transformação de áreas de pastagem de braquiária em roçados e a criação de unidades demonstrativas no assentamento, tendo como base a pesquisa-ação.

O terceiro bloco de trabalhos reúne diagnósticos: o primeiro deles apresenta uma caracterização dos sistemas de irrigação e das práticas de manejo utilizadas pelos citricultores do norte do Estado de São Paulo; o segundo traz uma retrospectiva histórica e organizacional da transferência de tecnologia na Embrapa, desde a sua criação aos dias atuais, seguida de análise e de proposição de mudanças conceituais e metodológicas direcionadas a um de seus centros de pesquisas; o terceiro oferece o retrato da produção e da comercialização de frutas no Estado de Minas Gerais; e o quarto trabalho caracteriza os produtores de leite visitantes da Embrapa Gado de Leite, com o levantamento das suas principais demandas, bem como as considerações sobre o impacto da transferência de tecnologias de produção.

O artigo Caracterização e diagnóstico de sistemas de irrigação e práticas de manejo de água na citricultura do Norte do Estado de São Paulo, assinado por Luiz Fabiano Palaretti, Everardo Chartuni Mantovani e Gilberto Chohaku Sediyama, busca diagnosticar o nível tecnológico da irrigação praticada pelos citricultores do norte do Estado de São Paulo, por meio da avaliação dos seus equipamentos de irrigação, do conhecimento e das metodologias/equipamentos utilizados na propriedade, e de aspectos relacionados à tomada de decisão em contextos irrigados. Os resultados obtidos evidenciam o interesse dos produtores em utilizar de forma racional a água para irrigação, sendo a falta de acompanhamento técnico o principal motivo atribuído à má qualidade dessa prática.

A transferência de tecnologia na Embrapa: uma análise e propostas de mudanças conceituais e metodológicas com ênfase em geotecnologias é um ensaio assinado por Claudio Bragantini, surgido no contexto da recente reorganização da atividade de transferência de tecnologia na Embrapa. O trabalho tem por objetivo analisar mudanças similares ocorridas no passado, identificar as causas e as consequências do seu sucesso ou revés e, com base na experiência e no bom senso, propor ações que possam colaborar para complementar as mudanças em curso e, assim, auxiliar as novas estruturas de transferência de tecnologia a cumprirem exitosamente o seu papel. Além de analisar algumas mudanças de ordem conceitual que poderiam colaborar para o sucesso dessa nova empreitada, o trabalho propõe medidas para imediatamente impulsionar o processo de transferência de tecnologia por meio da adaptação de tecnologias já desenvolvidas para outras finalidades, transformando-as em um produto novo e útil para novos públicos beneficiários, com exemplos na área de geotecnologias.

Um retrato da fruticultura mineira do final da primeira década do século 21 é o que Djalma Ferreira Pelegrini e Juliana Carvalho Simões esboçam no trabalho Organização da produção, assistência técnica e comercialização de frutas no Estado de Minas Gerais. No texto, são discutidos os principais problemas enfrentados pelos produtores rurais e pelos demais agentes que atuam no setor, levantados por ocasião de eventos de prospecção de demandas realizados em diversas mesorregiões do estado, por meio de entrevistas.

O artigo Transferência de tecnologia: o que pensam os produtores de leite que visitaram a Embrapa Gado de Leite sobre produtos da pesquisa, assinado por Sergio Rustichelli Teixeira, Marne Sidney de Paula Moreira, Fábio Homero Diniz e Vanessa Aparecida da Silva, avalia o conjunto de ações de transferência de tecnologia no Campo Experimental de Coronel Pacheco, da Embrapa Gado de Leite, em Minas Gerais. A metodologia compreendeu levantamento dos dados, amostragem de população finita e entrevistas por telefone. O trabalho mostra que o que mais beneficiou os visitantes foram assuntos técnicos de utilização prática imediata, como manejo de animais, manejo de pastagens com ênfase no pastejo rotativo, melhoria da produção em geral e orientações técnicas.

Fecha a seção de artigos o trabalho Unidades de Teste e Demonstração/Escola de Campo: estratégia para apropriação tecnológica na agricultura familiar, de Waltemilton Vieira Cartaxo, Napoleão Esberard de Macêdo Beltrão, Leandro Silva do Vale e James Luis da Costa e Silva. Os autores buscam demonstrar a importância metodológica das Unidades de Teste e Demonstração (UTDs/Escola de Campo), um instrumento pedagógico derivado das “Farmer Field Schools” desenvolvidas e aplicadas pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) na Indonésia, no final da década de 1980, para atender de forma grupal os plantadores de arroz daquele país. A metodologia pode ser explorada e adaptada como forma de impulsionar o desenvolvimento da agricultura familiar.

Na seção Debate, o instigante texto de José de Souza Silva, intitulado A inovação da inovação na pesquisa agropecuária, aponta o claro e o constatado desinteresse da comunidade científica da pesquisa agropecuária brasileira pelas questões relacionadas ao quadrinômio ciência-tecnologia-sociedade-inovação (CTSI) e suas complexas e imbricadas relações. Num contexto em que se trabalha, prioritariamente, em processos de inovação tecnológica, tal desinteresse pode ser entendido como um sintoma de alienação, como um fator condicionante da capacidade de compreensão das transformações ocorridas nas últimas décadas ou, mais grave de todos, como um fator condicionante da capacidade de enfrentamento e gestão dessas relações, nas esferas institucional e política.

Cabe lembrar aqui que a seção Debate constitui um espaço privilegiado para a publicação de textos livres, na forma de apresentação, destinados à exposição de ideias e opiniões não necessariamente conclusivas sobre temas importantes atuais e controversos. O texto para debate possibilita o estabelecimento do contraditório e enseja comentários da parte de outros autores. Estes comentários, uma vez analisados e aprovados para publicação, aparecerão nos números seguintes da revista, sempre acompanhados da réplica.

Agroecologia para outra extensão: um conceito, um valor ou uma contrarrevolução? é a resenha assinada por Vicente Guedes especialmente para a seção Resenha desta edição temática. O texto de Guedes apresenta aos leitores dos Cadernos de C&T as suas considerações sobre o livro Agroecologia: novo caminho para a extensão rural sustentável, organizado por Suzi Huff Theodoro, Laura Duarte e João Viana, e publicado no final de 2009. Trata-se de um conjunto de trabalhos acadêmicos elaborados no âmbito de um curso de especialização em Extensão Rural para o Desenvolvimento Sustentável, organizado e ofertado pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS), da Universidade de Brasília (UnB), ao Programa Formação de Agentes de Ater da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A obra resenhada tem conteúdo multidisciplinar, com matérias de interesse para as ciências sociais aplicadas.

Os editores agradecem aos colaboradores da revista, Assunta Helena Sicoli e Vicente Guedes, pelo importante apoio dado à equipe de edição e pela dedicação de parte do seu precioso tempo à análise de textos controversos. Agradecem ainda a Selma Lúcia Lira Beltrão e Viviane Kerry Tomáz de Carvalho, membros da Comissão Editorial composta para a edição dos números temáticos sobre Transferência de tecnologia na agricultura brasileira, pela colaboração prestada, principalmente nos meses subsequentes à chamada de artigos.