Introdução

Maria Amália Gusmão Martins, Otávio Valentim Balsadi

Resumo


INTRODUÇÃO

Em 2011, completam-se vinte anos da oferta dos Cadernos de Ciência & Tecnologia com sua atual denominação, em sucessão aos Cadernos de Difusão de Tecnologia, nascidos em 1984. Sempre publicado pela Embrapa, o periódico persiste como resultante editorial, científica e social de uma rede de atores nacionais e internacionais, predominantemente localizados em espaços da academia, da extensão, da pesquisa tecnológica e da política pública.

Com o presente número, os Cadernos de Ciência e Tecnologia entregam à sociedade o primeiro grupo de trabalhos processados de acordo com a chamada pública temática – Transferência de tecnologia na agricultura brasileira – lançada em julho de 2010. A iniciativa da chamada temática é uma ação da Diretoria Executiva de Transferência de Tecnologia da Embrapa, do Departamento de Transferência de Tecnologia (DTT) e da Embrapa Informação Tecnológica, formulada de acordo com a atualidade e o estágio de desenvolvimento do campo, com sua relevância e com a conveniência de que fossem sistematizados e expostos, conjuntamente, conceitos adotados e resultados de pesquisa associados à área. Tais preocupações se manifestam em um momento no qual estudos de políticas públicas chamam a atenção para o atendimento tecnológico a segmentos até então fortemente relacionados às redes de ATER privada e pública – esta última quase sempre sob a responsabilidade de unidades federadas e municípios.

O número de contribuições recebidas em atendimento à chamada superou as estimativas da Comissão Editorial constituída para esta edição temática. Foram recebidos ao todo 56 trabalhos, dos quais 36 enquadravam-se nas especificidades do tema. Devido à quantidade de trabalhos ter sido superior à esperada e em virtude do número máximo de páginas do periódico, a Comissão Editorial definiu distribuí-los em dois números consecutivos da revista, sendo o n° 1 referente ao quadrimestre janeiro–abril e o n° 2 referente ao quadrimestre maio–agosto de 2011. Do conjunto de contribuições tematicamente aderidas, depois dos exames por pareceristas e na editoria, 80% foram aprovadas, acervo que forma a pauta desses números, cada um deles com cerca de 15 trabalhos inéditos.

O lançamento de chamadas temáticas nos Cadernos não é inaugurado nesta experiência. Em 1998 – ano subsequente ao da publicação, no Brasil, da Lei de Patentes e da Lei de Cultivares e também ano em que se publicavam as leis do Software e dos Direitos Autorais –, a revista realizou um número especial sobre Propriedade Intelectual. Em 2001, quando se discutia a rotulagem dos alimentos transgênicos – regulamentada logo depois, no mesmo ano –, foi lançado um número temático sobre transgênicos. Em 2002, a revista ofertou um novo número temático, dessa vez sobre Agricultura Orgânica, no momento em que o tema era amplamente discutido, e a sua regulamentação era preparada, culminando com a publicação da chamada Lei dos Orgânicos no Brasil, no ano seguinte.

Neste número, como em experiências anteriores, o processo e o produto de uma chamada temática podem ser objeto de análises, reflexões e interpretações sob diferentes olhares: da antropologia e da sociologia da ciência e da tecnologia; da ciência política (e da análise de política de C&T e de desenvolvimento rural, no caso); da economia em diversos de seus subcampos, com destaque para a da inovação; dos estudos sociais da ciência e da tecnologia; e da comunicação científica, e até para a aplicação de conceitos e métodos específicos e pragmáticos associados à organização do trabalho e à gestão do conhecimento. Em certo sentido, as chamadas temáticas em revistas podem ser modos ou providências para a captura (aquisição) de conhecimentos para os espaços das respectivas comunidades. É válido considerar que, ao lançarem uma chamada pública dessa natureza, os atores que fazem o periódico devem estar preparados para contribuições que expandam a percepção sobre o escopo originalmente proposto, ou que carreguem e proponham problematização renovada e expandida. Esse é um dos benefícios que, avalia-se, a dinâmica social de um periódico científico contém e proporciona.

Constam neste número quatorze artigos, de autoria de pessoas cujos vínculos funcionais ou profissionais estão em centros tecnológicos ou em universidades. Admite-se que seja um sinal de que as questões da transferência de tecnologia na agricultura brasileira têm sido debatidas e operadas em distintos espaços, todos relevantes para as dinâmicas dessa comunidade-rede em que os CC&T atuam. Uma leitura atenta permite perceber no conjunto diferentes acepções sobre o que seja tecnologia e a respectiva transferência. A própria ideia de agricultura emerge em distintas formas. Aliás, como acontece na sociedade e também nas comunidades dos sistemas de C&T e inovação, cada macroelemento relevante é percebido de tantas e tão diferentes maneiras quanto distintas são as pessoas que o percebem. É do contexto da comunidade dos CC&T, com suas inevitáveis idiossincrasias, que emerge este número, que temos como revelador de vários matizes do complexo de relações ciência-tecnologia-sociedade.

Na sequência, como é de estilo nas palavras introdutórias da editoria em cada número, consideram-se um a um os trabalhos, lembrando-se que as ideias neles apresentadas refletem a opinião de seus autores, não devendo ser creditadas à editoria desta revista ou à Embrapa, organização que a publica.

Abre este número temático o artigo Produzindo novidades na agricultura familiar: agregação de valor e agroecologia para o desenvolvimento rural, de Daniela Oliveira, Marcio Gazolla e Sergio Schneider. Os autores objetivam apresentar a abordagem da produção de novidades como alternativa teórica para a interpretação de processos sociotécnicos locais de produção de conhecimentos e de geração de inovações no desenvolvimento rural. O estudo parte de dois casos empíricos no Rio Grande do Sul: o das agroindústrias familiares da região do Médio Alto Uruguai e o dos agricultores agroecologistas dos municípios de Ipê e Antônio Prado. Finalizam assinalando para o aspecto multidimensional das novidades, relacionadas a processos de transições sociotécnicas na agricultura.

Os quatro trabalhos seguintes apresentam experiências concretas de tecnologias desenvolvidas por equipes de pesquisa e transferência, seguidas de adoção, em diferentes contextos.

O artigo Transferência de tecnologias apropriadas para a agricultura familiar: uma experiência de ação integrada no estado de São Paulo é assinado por um conjunto de nove autores liderados por Marcelo Mikio Hanashiro. Neste trabalho, vem relatada a experiência com o componente "conhecimento" no âmbito do programa Mais Alimentos no Estado de São Paulo, apontando o envolvimento de diversas organizações públicas e privadas na construção coletiva do processo, a formação de agentes locais de assistência técnica e extensão rural e a inserção do jovem agricultor nas bases do método. Acompanhando a ação que foi desenvolvida em dois territórios no estado, envolvendo sete produtos agropecuários, relatam-se resultados bastante satisfatórios.

Da bancada ao agricultor: a transferência da tecnologia de alho livre de vírus aos agricultores familiares da Bahia, assinado por Werito Fernandes de Melo, Francisco Vilela Resende, Edson Guiducci Filho e

André Nepomuceno Dusi, descreve a experiência de pesquisa com alho-semente sem vírus, mediante a qual propõem um modelo de sistema de produção. Os autores relatam que o modelo foi validado pelos agricultores familiares da Bahia, em seis anos de trabalho em diversos polos de produção, seguidos por análise de impacto socioeconômico e avaliação da transferência de tecnologia utilizada. Registram que a tecnologia agregou valores sociais e econômicos desejáveis, como aumento da renda familiar, geração de empregos, aumento de iniciativas cooperativistas e melhoria de benfeitorias nos imóveis residenciais dos agricultores, entre outros. Quanto à transferência, observam que, para o maior sucesso da adoção da tecnologia, devem existir uma estrutura de assistência técnica local organizada, instrumentos de capacitação específica de agricultores e um maior envolvimento de entidades locais, como prefeituras municipais e associações de agricultores.

No trabalho Centro de Diagnóstico de Sanidade Animal (CEDISA): organização de base tecnológica incubada na Embrapa Suínos e Aves, Paulo Roberto Souza da Silveira, Cícero Juliano Monticelli, Elsio Antonio Pereira de Figueiredo e Lauren Ventura relatam a implantação de um centro de diagnóstico animal olhando-o como derivado de incubação em um arranjo institucional para, no final, apontar perspectivas decorrentes do serviço estudado. Procuram explicitar que o que chamam de arranjo institucional pode ser replicado para outras circunstâncias, assim como integrar uma rede de laboratórios que trabalhem com diversos produtos ou temas.

Adoção tecnológica e gestão cooperativista: um estudo de caso na agricultura familiar é o título do trabalho de André Yves Cribb, Sandra Lucia de Souza Pinto Cribb, Murillo Freire Junior e Fernando Teixeira Silva, que partem do pressuposto que cooperativismo e tecnologia são fatores relevantes para a sobrevivência e a competitividade da agricultura familiar ao estudarem a gestão de um sistema de produção na cadeia do coco no Estado do Rio de Janeiro. Os autores relatam resultados mostrando que a adoção tecnológica e a organização cooperativista se influenciam mutuamente de maneira significativa e que tal interação gera impactos econômicos e socioambientais positivos.

Na sequência, um outro tipo de narrativa se apresenta: a trajetória da transferência de tecnologia num centro de pesquisa agropecuária público: a Embrapa Clima Temperado, localizada em Pelotas, RS. Da difusão de tecnologia ao desenvolvimento sustentável: trajetória da transferência de tecnologia na Embrapa Clima Temperado é um texto assinado por João Carlos Costa Gomes, Daniel Aquini, Fernando Rogério Costa Gomes e Waldyr Stumpf Junior. O trabalho contém elementos relevantes para políticas públicas em temas como desenvolvimento regional, processos participativos, busca da sustentabilidade e diminuição da dependência tecnológica.

No que concerne à gestão tecnológica, em processos de decisão gerencial, muitas vezes a priorização de ações é demandada. Nessas situações, como avaliar o potencial tecnológico dos produtos da pesquisa de modo a elencá-los segundo este ou aquele critério? Franco Müller Martins, Luiz

Clovis Belarmino, Thaisy Sluszz, Cícero Juliano Monticelli e Marcelo Miele, autores de Modelo multicritério para avaliação do potencial de negócios tecnológicos na agricultura, apresentam a construção de um modelo para avaliar o potencial de negociação das tecnologias geradas pela Embrapa Suínos e Aves com empresas de base tecnológica. Construindo dez critérios de avaliação, chegaram a um modelo que se tem como viável e replicável para outros negócios tecnológicos.

No artigo de revisão Condicionantes da adoção de inovações tecnológicas na agricultura, Hildo Meirelles de Souza Filho, Antônio Márcio Buainain, José Maria Ferreira Jardim da Silveira e Marcela de Mello Brandão Vinholis, explorando literatura de corte socioeconômico, partem dos pressupostos que a tecnologia possui um papel importante no desempenho econômico-financeiro do estabelecimento rural e que a difusão da tecnologia não ocorre com a mesma velocidade e intensidade em todas as circunstâncias, para formular perguntas essenciais concernentes a fatores relacionados com as decisões sobre adoção: a) condições socioeconômicas e características do produtor; b) características da produção e da propriedade rural; c) características da tecnologia; d) fatores sistêmicos. Os autores observam haver interações entre esses fatores no condicionamento da adoção da tecnologia e concluem ser desejável flexibilidade e adaptabilidade nas políticas públicas, de forma a serem consideradas as diversas configurações técnicas, sociais e econômicas.

Os cinco trabalhos que se seguem pertencem ao campo da comunicação para transferência de tecnologia.

No artigo Apropriação de tecnologias de informação e comunicação no meio rural brasileiro, Verônica Crestani Viero e Ada Cristina Machado da Silveira partem de um levantamento de dados sobre computadores e uso da internet no meio rural brasileiro, mediante o qual registram importantes transformações em um período de trinta anos e reportam a grave existência da exclusão digital nesse contexto. Chamam a atenção para o fato que a difusão da inovação tem vínculo com a conectividade e a alfabetização digital, e que estas, uma vez ausentes, operam como barreiras.

Em seu trabalho Canais de comunicação preferenciais dos suinocultores, avicultores e técnicos agropecuários no Sul do Brasil, Nádia Solange Schmidt Bassi e Cícero Juliano Monticelli olham para o processo de comunicação e transferência de tecnologia, considerando a necessidade de emprego de meios adequados para cada público-alvo, alertando para a necessidade de conhecer os canais preferenciais de cada um. Relatam uma pesquisa realizada em 2006 com produtores de suínos e aves e técnicos agropecuários, no Sul do Brasil, e chegam a resultados que apontam a preferência dos criadores pelo rádio e televisão, e dos técnicos agropecuários por palestras, internet e revistas especializadas.

No trabalho A cobertura dos sites de notícias no caso da transição agroecológica na Embrapa, Eduardo João Moro e Cláudio Rocha de Miranda buscam analisar a experiência da transição agroecológica na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com base na cobertura da mídia, com pesquisa hemerográfica, vasculhando mais de 300 notícias. Os autores constatam a predominância de "falta de profundidade" nas matérias pesquisadas, caminhando para uma situação que chamam de "cobertura inadequada" do tema.

O trabalho Transferência e disponibilização de informações sobre tecnologia em agroenergia: Árvore do Conhecimento Agroenergia tem por autores José Gilberto Jardine, Esdras Sundfeld, Frederico Ozanan Machado Durães, Nadir Rodrigues Pereira e Talita Delgrossi Barros, que partem do pressuposto que é necessário investir em ações para melhor promover o acesso aos resultados da pesquisa. Abraçam a figura da Árvore do Conhecimento como meio para organizar, sistematizar e oferecer ao público a informação eferente da pesquisa em agroenergia. Na opinião dos autores, a Árvore do Conhecimento Agroenergia supre uma lacuna de informações na internet brasileira, ao se constituir em um repositório de informações qualificadas específico para o tema agroenergia.

No artigo A produção integrada de frutas como um mecanismo de menor impacto ao meio ambiente, Armando Fornazier e Paulo Dabdab Waquil avaliam o emprego da técnica que intitula o artigo, com vista a verificar a redução de danos dos sistemas de produção ao meio ambiente. Relatam resultados que indicam que a técnica permitiu a adoção de outras certificações e a diminuição no uso de agroquímicos, e alertam ser pequena a valorização do produto certificado por parte do consumidor, fator que apontam ser limitador na expansão do uso da técnica.

Fecha este número o trabalho A construção social da agroecologia no assentamento Tapera, em Riacho dos Machados, MG, assinado por Ana Paula Alves Silva Abou Lteif, Nora Beatriz Presno Amodeo, Marcelo Miná Dias e José Ambrósio Ferreira Neto, que analisam alternativas de desenvolvimento de um assentamento rural, adotando o olhar da construção social como referência. Descrevem o sítio localizado na região norte de Minas Gerais e enfatizam a atuação de uma organização não governamental (ONG) nesse contexto, cuja operação é pautada pelos princípios da agroecologia, com base no que procuram compreender concepções e propostas de desenvolvimento com mobilização da sociedade.

Os editores deixam aqui registrado o seu agradecimento a Vicente Galileu Ferreira Guedes, pelas sugestões dadas e pela participação nos esforços de edição deste número.


Maria Amália Gusmão Martins e Otávio Valentim Balsadi
Editores




DOI: http://dx.doi.org/10.35977/0104-1096.cct2011.v28.13239